O atual benefício da progressão de pena deve ser revisto? NÃO
O Brasil tem uma triste tradição de homens públicos que, incapazes de apresentar soluções adequadas para os problemas que deveriam sanar, recorrem a fórmulas simples e saídas fáceis. A estratégia é utilizada por administradores que preferem trocar os fatos, os dados e a ciência pelos “talking points” da moda no populismo penal.
Este parece ser o caso de alguns governadores que pretendem transformar o palco do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) —encontro que poderia servir para a discussão informada dos inúmeros desafios das regiões— em algo como um programa policial sensacionalista.
Isso porque, na pauta do evento, está a ideia de restringir a progressão de pena de pessoas condenadas no Brasil. Para os defensores da proposta, o regime fechado deve ser privilegiado, colocando a progressividade de regime durante o cumprimento de pena como grande vilã da segurança pública.
O raciocínio só tem sentido para quem desconhece o sistema penitenciário brasileiro. Segundo o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a população carcerária no país ultrapassou a marca de 830 mil presos. De 2000 a 2022, o crescimento registrado é de 257%. Resta perguntar: estamos nos sentindo mais seguros?
No Brasil, prende-se muito e prende-se mal. A aposta de lotar as prisões com centenas de milhares de pessoas, na maioria homens jovens e negros —e um número cada vez maior de mulheres, que quadruplicou em 20 anos, segundo a World Female Imprisonment List—, fracassou.
Já no seu primeiro artigo, a Lei de Execução Penal (LEP) brasileira enfatiza a necessidade de “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado”. E existe uma boa razão para isso. O cumprimento de pena não é o fim da vida da pessoa presa, mas uma circunstância transitória. Por essa razão, essas pessoas devem ser preparadas para deixar o cárcere.
Conservar ou reatar os laços familiares, frequentar cursos supletivos ou de ensino superior e capacitar-se profissionalmente são mecanismos de reinserção social previstos na LEP. Na transição do cárcere à liberdade, essas atividades permitem a reconstrução da vida com autonomia e o retorno ao convívio social.
Dentro da lógica da progressão de pena, esse retorno é realizado de forma gradual e condicionada. Saídas temporárias, por exemplo, só são permitidas a partir do regime semiaberto e dependem de fatores como o bom comportamento do preso.
Sem a alternativa de reintegrar-se à sociedade através de laços familiares, pedagógicos e profissionais, ao preso restará a revolta do regime fechado. Quem ganha com isso são as facções criminosas, que utilizam o sentimento e a ausência de horizonte para arregimentar novos membros, transformando os presídios em escolas do crime.
No Brasil não existe pena perpétua, mas os obstáculos para a reinserção social são tantos que podemos falar numa perpetuidade da pena, que continua a pairar sobre o destino dessas pessoas mesmo em liberdade. Essa nova proposta só agravaria o quadro.
É preciso que a sociedade tenha clareza sobre o que está em jogo nesse debate. Por trás das soluções fáceis, ora propagadas, esconde-se o acirramento de um problema que já conhecemos, que piora a cada dia e que atende pelo nome de encarceramento em massa.
Estamos falando, sim, que as pessoas presas devem ter o direito à cidadania, ao trabalho, à educação e a uma segunda chance. Mas o cerco à progressão de pena não é apenas um ataque aos direitos humanos. É um golpe de morte na política de segurança baseada em evidências, perpetrado por políticos dispostos a vestir o pior figurino do populismo penal para permanecer em evidência. A que custo?
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