segunda-feira, outubro 7, 2024
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Depoimentos reforçam elo entre campeã da farra do INSS e empresários

São Paulo — Depoimentos feitos à polícia e à Justiça reforçam o elo entre a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), que fatura R$ 30 milhões por mês com descontos na folha de pagamento dos aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e empresas contratadas como fornecedoras pela entidade.

Os testemunhos são de Maria Inês Batista de Almeida (à esquerda na foto de destaque), que foi presidente da Ambec até fevereiro deste ano, do ex-secretário-geral da entidade e empresário José Hermicesar Brilhante Palmeira, e de uma ex-funcionária de umas das empresas do grupo que está por trás da associação.

Desde 2021, a Ambec mantém um acordo de cooperação técnica com o INSS para poder efetuar descontos mensais de R$ 45 nas aposentadorias, em troca de supostos benefícios, como descontos em seguros, auxílio funeral, planos de saúde e odontológico e medicamentos. A entidade acumula milhares de queixas em órgãos de defesa do consumidor e processos judiciais por cobranças indevidas — sem autorização por escrito do aposentado.


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Como mostrou o Metrópoles, por trás da entidade estão empresas do Grupo Total Health (THG), do empresário Maurício Camisotti, que mantém contratos públicos milionários no ramo de saúde. A sede da Ambec, na zona sul de São Paulo, é frequentada por funcionários da THG e parte de sua diretoria é composta por empresários e pessoas ligadas a Camisotti.

O empresário está enredado em uma briga pelo controle da Ambec, que acabou dando ensejo a um inquérito policial sobre suposta falsidade de documentos na eleição de diretores da entidade. Foi nessa investigação, conduzida pela Polícia Civil de São Paulo, que depoimentos evidenciaram a ligação umbilical da entidade com empresas do grupo do empresário.

Depoimentos

No dia 7 de março de 2023, o ex-secretário-geral da Ambec José Hermicesar Brilhante Palmeira, que é presidente de empresas ligadas ao Grupo THG, afirmou em depoimento que “convidou” Maria Inês Batista de Almeida, que era funcionária de suas empresas, para compor com ele a direção da associação, “temporariamente, até que houvesse novos componentes”.

Citada por Hermicesar, Maria Inês foi presidente da Ambec até fevereiro desse ano. Como mostrou o Metrópoles, ela é auxiliar de dentista e moradora do Jardim Robru, no extremo leste de São Paulo. A reportagem teve acesso a documentos fiscais que mostram que ela foi funcionária da Brazil Dental e da Prevident, ambas do Grupo THG, entre 2020 e 2022. À polícia, Maria Inês confirmou que foi convidada a participar da Ambec por Hermicesar.

O inquérito nasceu a partir de uma representação criminal feita por duas ex-diretoras da Ambec. São elas Maria Aparecida Vieira, que presidiu a associação em 2022, e Valquíria Hernandez Marques, que foi tesoureira da entidade na mesma gestão. Ambas são moradoras do extremo leste de São Paulo, na divisa com a cidade de Ferraz de Vasconcelos.

Maria Aparecida Vieira afirmou à polícia que, “para participar do corpo diretório da referida associação foi prometido” a ela “o pagamento mensal de um salário mínimo por seis meses” e que, depois, “passaria, de fato, a gerir a associação”. Segundo ela, “isso não aconteceu, sendo certo que recebeu o valor prometido por cerca de nove meses, sendo o último em janeiro/2023”. Valquíria ainda não depôs.

Atendente de telemarketing

Em uma ação trabalhista, uma ex-funcionária de telemarketing da empresa Rede Mais, que pertence ao grupo THG, afirmou que seu trabalho diário consistia em atender a ligações da Ambec. Maetê Copesky disse à Justiça que atendia aposentados “cujos benefícios foram ativados ilegalmente pela Ambec, parceira da empresa para a qual trabalha”.

Ela afirmou ter se deparado “com uma prática onde esses benefícios são ativados irregularmente nos registros dos aposentados, resultando em ligações direcionadas a ela em busca de esclarecimentos sobre essa inclusão nos contracheques”.

‘Embora a reclamante não tenha qualquer envolvimento nesse processo, todas as chamadas são direcionadas para ela, já que as empresas responsáveis não atendem às solicitações dos aposentados. Sua responsabilidade inclui registrar esses dados em uma planilha. Apesar dos cancelamentos prometidos pela Ambec, os problemas persistem, e a reclamante é ameaçada com ações legais por parte dos aposentados frustrados”, disse sua defesa.

Disputa interna

Há uma disputa em curso pelo controle da associação. De um lado estão o empresário Camisotti e pessoas de sua confiança e, de outro, o policial aposentado Mauro Baccan e o advogado Eli Cohen, que também representa duas ex-diretoras da Ambec que fizeram a denúncia à Polícia Civil.

A Ambec era administrada pelo grupo de Camisotti em parceria com Baccan. O ex-policial administrava uma empresa que fazia a gestão da associação e que quando começou a divergir nas decisões foi alijado da entidade com uso de uma ata falsa de eleição de uma diretoria com pessoas da confiança do empresário.

Camisotti nega a trama. Ele e pessoas de sua confiança dizem que Baccan e Eli Cohen o ameaçaram e roubaram documentos da entidade. Ele atribui a Ambec ao ex-policial, mas a associação permaneceu nas mãos de pessoas próximas dele, como Hermicesar e Maria Inês, que deixou recentemente a entidade, e a tesoureira Rita Pereira, que tem como única fonte de renda pagamentos da esposa de Camisotti, segundo dados fiscais. Ela também é alvo da investigação. Camisotti e um funcionário também denunciaram Baccan à polícia, sob alegação de que foram ameaçados por ele.

Segundo dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, a Ambec saltou de 38 mil filiados no início de 2023 para mais de 650 mil atualmente. No período, o faturamento mensal com descontos de mensalidade associativa nas aposentadorias passou de R$ 1,8 milhão para R$ 30 milhões.

Apesar do resultado financeiro expressivo e, embora negue qualquer irregularidade, a Ambec trocou de presidente em fevereiro, após o Metrópoles revelar a atuação da entidade e os processos contra ela. Quem assumiu o cargo foi Marilisa Moran Garcia (à direita na foto de destaque).

A farra das entidades que aplicam descontos em aposentadorias e arrecadaram R$ 2 bilhões em um ano virou alvo de uma investigação interna do INSS, da Controladoria-Geral da União (CGU) e de uma inspeção do Tribunal de Contas da União (TCU).

Ambec nega ilegalidades

Questionada pelo Metrópoles, a Ambec afirmou, por meio de nota, o inquérito policial no qual ex-diretores prestaram depoimento se trata do “cumprimento das ameaças de Eli Cohen e Mauro Baccan” ao grupo de Camisotti e que “todos os esclarecimentos foram prestados e a verdade levada aos autos”.

A associação afirmou também que “nenhum funcionário da THG vai todos os dias na Ambec”, que “ninguém apoiou a narrativa de Eli Cohen e Baccan” e que os dois tentam “extorquir” a entidade e diretores da THG.

O Metrópoles obteve acesso a e-mails internos que mostram que funcionários da THG frequentavam e autorizavam a entrada de terceiros na Ambec. Uma delas, inclusive, publicava em seu Linkedin ser funcionária do grupo. Ela mudou seu perfil após ser abordada pela reportagem.

A Ambec ainda afirma que “relações pessoais, profissionais e familiares entre membros da diretoria não representam qualquer irregularidade ou descumprimento ao regramento” legal sobre entidades parceiras do INSS.

A Ambec também não esclareceu quais serviços são prestados por Rita Pereira à esposa de Maurício Camisotti, mas disse que ela é “aposentada e foi convidada para a formação de diretoria pelos associados”.

“A Ambec é uma associação devidamente constituída há 17 anos, possui sede, diretoria, presença nacional, grande base de associados, ações sociais e jurídicas e benefícios para os seus associados, não podendo jamais ser chamada de associação de ‘fachada’ ou ‘laranja’”, completa a associação.

Ex-presidente da Ambec, Maria Inês nega ser laranja de Maurício Camisotti, mas admite que trabalhou para empresas de Hermicesar, que pertence ao mesmo grupo. Ela diz, por meio da assessoria de imprensa, que a Ambec tem “o menor índice de reclamações de todas as associações em relação à sua base de associados e que todas as filiações são devidamente formalizadas e juntadas aos processos seguindo orientações jurídicas”.

Como mostrou o Metrópoles, a Ambec já foi condenada sem apresentar sequer um documento de filiação de seus aposentados. Mais recentemente, tem juntado a processos judiciais áudios de telefonemas que não são aceitos pelo INSS como prova de filiação desacompanhados de documentos com as assinaturas dos filiados.

Maria Inês, por meio de nota, afirmou também que o salto de filiados em sua gestão se deu com “parcerias estratégias para divulgação dos benefícios da associação em todo o Brasil”. Ela disse ainda que “a receita [R$ 30 milhões por mês] é devidamente contabilizada sem qualquer ressalva e revertida em estrutura da associação, serviços assistenciais e benefícios para os associados, pois trata-se de entidade sem fins lucrativos”.

Advogado fala em fraude contra aposentados

Eli Cohen afirmou, por sua vez, que há “crimes cometidos” pela Ambec contra mais de 40 mil aposentados e que sua ação contra a entidade “foi motivada após a descoberta de uma ata de assembleia fraudulentamente alterada” por um executivo da THG e Camisotti, para alterar a composição da diretoria “ilegalmente”.

O advogado ainda afirma que o motivo do rompimento de Baccan com Camisotti foi porque o policial aposentado descobriu que uma empresa dele estava sendo utilizada pelo ex-parceiro “para cometer uma fraude milionária contra aposentados”. Camisotti nega.

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