segunda-feira, outubro 7, 2024
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Nenhum Pix resolve a escravidão; apenas tornaria a ferida mais insuportável

A verdadeira reparação histórica pela escravatura e pelo colonialismo não cabe em um Pix. Nem em um milhão de Pix. Ela só começará quando se abrir um novo paradigma nas relações interculturais.

O presidente de Portugal diz que é preciso pagar e tem razão. A ministra Anielle Franco diz que é preciso criar medidas específicas para que isso aconteça e que elas ainda não estão criadas e tem razão. A imortal Lilia Schwarcz diz que o Brasil não pode exigir de Portugal sem olhar para o que ele próprio fez depois de independente e tem razão.

Mas, mesmo cobertos de razão, nenhum deles dá a resposta correta. Porque a reparação não ficou no passado nem se resolve apenas com dinheiro, ela está no futuro e se resolve com diálogo.

Na complexidade das relações globais, o tema da reparação histórica surge com uma carga emocional e moral intensa. É verdade que o passado colonial deixou feridas profundas nos tecidos sociais de muitas nações, mas também é verdade que a reparação material, por si só, parece uma tentativa insuficiente e talvez impraticável de curar essas cicatrizes. A dimensão dos crimes cometidos é tal que nenhum montante financeiro poderia efetivamente compensar as perdas culturais, humanas e sociais sofridas.

Neste contexto, a ideia que sempre defendo de “contracolonização”, um termo que evoca a migração reversa de brasileiros e africanos para a Europa, traz consigo uma proposta revolucionária. Portugal, com seu legado único de interações multiculturais, posiciona-se como um laboratório ideal para este experimento social. Aqui, o futuro pode ser (em alguns casos já está sendo) desenhado não com a tinta das compensações financeiras, mas com as cores vibrantes de uma sociedade verdadeiramente multicultural.

Este movimento não se trata apenas de acolher imigrantes em terras europeias; trata-se de redefinir o próprio conceito de reparação. A verdadeira reparação emerge quando criamos oportunidades para que todos, independentemente da sua origem geográfica, possam prosperar. É uma mudança paradigmática que reconhece que a compensação não pode ser apenas monetária. Ela deve ser, acima de tudo, social e cultural.

Além disso, é essencial reconhecer que a dinâmica do colonialismo não foi unilateral. Tanto no Brasil quanto em muitos países africanos existiram colaborações e participações nos sistemas que hoje condenamos. Esta análise crítica de nossa própria história é crucial. Não podemos nos contentar em apontar dedos exclusivamente para Portugal ou qualquer outra nação colonizadora sem antes refletir sobre como nossas sociedades também se moldaram e se beneficiaram dessas estruturas.

Ao olharmos para a frente, o desafio está em transformar as circunstâncias atuais para construir um futuro no qual as relações interculturais sejam pautadas pelo respeito mútuo e pela igualdade de oportunidades. Este é o caminho para formar “melhores homens”, como diria Ortega y Gasset, referindo-se ao potencial humano de superação e adaptação às circunstâncias.

Portugal, com sua histórica capacidade de integração e sua posição estratégica entre continentes, tem uma oportunidade única de liderar este movimento. Mais do que qualquer pagamento, a contribuição de Portugal para o mundo poderia ser este novo modelo de convivência global, uma verdadeira reparação para as gerações futuras que olharão para trás não para calcular o valor das compensações, mas para admirar a coragem de reimaginar e reconstruir as relações humanas. Este é o legado que podemos e devemos aspirar a deixar.


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