Os descasos do poder público com a dengue
Nas últimas semanas, vários estados do país tiveram de correr para usar as vacinas contra a dengue que venceram na terça-feira (30). Ainda não foi divulgado balanço pelo Ministério da Saúde, mas, no dia 15 de abril, das 668 mil doses que perderiam a validade, cerca de 145 mil não haviam sido aplicadas.
Até 19 de março, só 14,5% do público-alvo (pessoas de 10 a 14 anos) e apenas 0,2% da população brasileira estava imunizada.
A movimentação de última hora das secretarias de Saúde e a possibilidade de desperdício de dinheiro público constituem mais um exemplo de atuação precária das autoridades, em todas as esferas de governo, nesta epidemia.
O problema teve início ainda no ano passado, quando governo federal, estados e municípios não se prepararam adequadamente para a crise, projetada em dois alertas globais divulgados pela OMS, em janeiro e em julho de 2023.
Como a dengue impacta o sistema ambulatorial, o poder público deveria ter alocado recursos para infraestrutura material e de pessoal nesse setor. O risco de a dengue levar à morte é baixo. Ele aumenta quando o atendimento é precário, com superlotação e falta de prioridade com casos mais graves.
Tal cenário se verifica em várias cidades. Em São Paulo, por exemplo, a Folha constatou aglomeração e longas filas de espera em tendas de atendimento aos pacientes.
Sul e Sudeste deveriam ter recebido atenção especial. Seus habitantes são mais vulneráveis pois tiveram menos contato com os sorotipos do vírus, já que o clima é mais ameno, mas mudança climática e El Niño elevaram temperaturas e índices de chuvas nessas regiões.
Ademais, como o imunizante japonês Qdenga requer aplicação de duas doses em intervalo de três meses, o Ministério da Saúde tinha o dever de agilizar a burocracia para autorizar sua aplicação pelo SUS.
A vacina recebeu aval para venda pela Anvisa em março de 2023, mas a permissão para distribuição gratuita só veio em dezembro.
Esse conjunto de inações pode ter contribuído para que o Brasil quebrasse um recorde nefasto, com 1.116 mortes causadas pela doença entre 1º de janeiro e 8 de abril, ante 1.094 em todo o ano passado. Trata-se do maior indicador já registrado desde o início da série histórica, iniciada em 2000.
Na quarta (1º), a pasta da Saúde informou que 21 estados e o Distrito Federal apresentam queda ou estabilidade na incidência de dengue.
O aquecimento global e outros fatores que contribuem para os surtos da moléstia, como o vexatório saneamento básico do país, ainda estarão presentes em 2025. Espera-se que, com este trágico verão, os governos se preparem com mais responsabilidade para o próximo.