Como não ser amanhã o que o Rio Grande do Sul é hoje?
A comparação dos mapas não deixa dúvida: há uma relação entre os municípios gaúchos afetados pela enchente e o não cumprimento da gestão e prevenção de risco climático.
Das 497 cidades do estado, 476 não têm ou não implementaram nem a metade de um conjunto de 20 ações e planos de prevenção que poderiam amenizar os impactos provocados pelas chuvas. Será que é necessário que uma catástrofe aconteça para a ficha da mudança climática cair? Isto porque os dados já indicavam os municípios que não cumpriam com a gestão de risco climático.
Esta pode ser, por exemplo, uma das tarefas de uma Agência Nacional de Segurança Climática: orientar os municípios, cobrar que cumpram as ações de prevenção, denunciar quando não estiverem avançando. Pois estamos falando de preservação de vidas, de evitar mortes, o que não permite negociações. Quem assumirá as mortes que poderiam ter sido evitadas se houvesse a atenção do poder público?
As responsabilidades nas questões climáticas são comuns, porém diferenciadas. A famosa frase do Relatório Brundtland evidencia que todos os países têm sua participação no aquecimento global, porém os mais ricos e desenvolvidos têm mais responsabilidade do que os pobres e em desenvolvimento, que ainda precisam ter uma cota de emissões para resolver seus problemas sociais estruturantes.
No que diz respeito aos políticos, a responsabilidade pelas enchentes do Rio Grande do Sul não deve ser creditada somente aos prefeitos das cidades individualmente, mas também aos políticos coletivamente. Isto porque quase a totalidade deles não acredita efetivamente na crise climática.
Os prefeitos têm responsabilidade local, os presidentes, global. É só verificar que desde o momento em que 193 países assinaram o Acordo de Paris, em 2015, que estabeleceu metas de redução de emissões para que o mundo não aqueça 2 graus Celsius até o final do século, elas só cresceram. Não vêm cumprindo, portanto, o compromisso assumido.
E em relação às empresas? As empresas na sua quase totalidade estão preocupadas com o resultado financeiro de curto prazo. Seus CEOs têm que apresentar balanços trimestrais para acionistas ávidos por resultados. A preocupação com o impacto da empresa no médio e longo prazo não é prioridade frente a busca por resultado.
Estão preocupadas com o curto prazo e com seu negócio específico. Não são capazes, infelizmente, de se autorregular. Como crianças, precisam de limites. E quem pode colocar limites? O poder público, que tem por obrigação pensar o longo prazo e responder ao interesse público.
Mas criamos em nossas democracias uma armadilha: quem tem dinheiro, via de regra, é quem elege políticos para defender seus interesses privados, e não os da maioria da população. É só observar a composição do nosso Congresso e suas decisões que geram um ciclo perverso e que nos leva à confluência das crises climática, social e política que vivemos.
E em relação a nossos comportamentos? Rever hábitos de consumo de produtos, vestuário, alimentos e serviços que contribuem para a predação do planeta faz parte dos desafios. Há uma conexão entre nossos hábitos de consumo —carne, madeira, soja, ouro— e as tragédias climáticas.
O sofrimento gaúcho é consequência desse processo. Até poucos meses atrás o governador do estado, Eduardo Leite (PSDB), propunha alterar mais de 400 pontos do plano de proteção ambiental, flexibilizando a legislação em benefício dos interesses de empresas, o que no médio prazo agravaria a situação climática.
O prefeito da capital, Sebastião Melo (MDB), não investiu um centavo em planos para a cidade em 2023, e não fez a manutenção de bombas e comportas, evidenciando seu descaso com o clima. Esta é a realidade de boa parte das cidades brasileiras.
E o resto do Brasil? Desde 2022, quase metade dos municípios brasileiros decretaram estado de emergência ou calamidade por problemas climáticos, como chuvas intensas.
Não é, portanto, por falta de sinais. É necessário mudar esse rumo. Nós sofreremos impactos cada vez maiores nos próximos anos a permanecer esse modelo de desenvolvimento predador, não duvidem. Por isso é importante transitarmos para um modelo de desenvolvimento sustentável e, nesse sentido, a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propõem uma transição para os países e as cidades.
Resta ainda, nestas eleições municipais de 2024, identificarmos candidatos(as) engajados(as) com essa agenda e que se comprometam a cumprir todas as ações de prevenção e erosão climáticas em suas cidades.
As eleições surgem como oportunidade para exigirmos dos políticos mudança de comportamento e sensibilidade em relação ao clima. Depende de nós.
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