segunda-feira, outubro 7, 2024
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Conectados às telas e desconectados de nós mesmos

Passamos grande parte do dia nos celulares em busca de “likes” que nos proporcionam pequenos momentos de prazer, mas ao mesmo tempo nos desconectam da realidade e prejudicam nossas interações sociais, concentração e atenção. Somos frequentemente interrompidos por ligações, mensagens ou nossos próprios impulsos compulsivos em busca de dopamina e recompensas cerebrais efêmeras e viciantes.

As empresas buscam tornar as plataformas digitais cada vez mais sedutoras, proporcionando ao cérebro uma sensação de felicidade iminente, resultando em cliques, publicidade e, consequentemente, maior lucro. Quanto mais os aplicativos e as redes se tornam “inteligentes”, menos críticos e mais alienados nos tornamos.

Além de consumirem nosso tempo, as mídias sociais são potenciais geradoras de mal-estar. O chefe abusivo posta fotos sorrindo e comemorando com a equipe. A imagem da viagem luxuosa de um casal não reflete suas discussões diárias. Os finais de semana “perfeitos” de amigos tornam-se motivos de inveja e insatisfação, contribuindo para uma sensação de infelicidade cada vez mais comum.

Os índices de depressão e ansiedade estão em alta, especialmente entre os jovens, cada vez mais expostos às plataformas digitais. Michel Desmurget, autor de “A Fábrica de Cretinos Digitais: Os Perigos das Telas para Nossas Crianças”, aponta que quanto mais cedo uma criança se familiariza com dispositivos digitais maior é a probabilidade de se tornar usuária assídua. Crianças de menos de dois anos já dedicam quase um hora por dia às telas, tempo precioso que poderia ser usado para explorar o mundo ao redor. Na adolescência, o consumo digital pode ultrapassar sete horas diárias, equivalente a um ano inteiro de aulas de português, matemática e biologia da 5ª série do ensino fundamental até o final do ensino médio.

O uso intenso de dispositivos digitais é ainda mais comum em meios socioculturais menos privilegiados. Adolescentes dessas famílias dedicam quase duas horas a mais por dia às telas do que aqueles mais abastados, tempo que poderia ser utilizado para atividades mais enriquecedoras, como leitura, práticas musicais e esportivas.

Uma abordagem para enfrentar o problema é retirar as telas dos quartos de dormir e adiar ao máximo o início de uso de dispositivos como celulares. Além disso, o exemplo deve vir dos pais, pois o consumo de telas pelas crianças cresce conforme o dos seus familiares.

Um estudo comparou estilos parentais em famílias com pré-adolescentes: um grupo era permissivo, sem regras para o uso de dispositivos digitais; um segundo grupo adotava normas rígidas e autoritárias; por fim, um terceiro era composto por pais persuasivos, que instituíam regras, mas as explicavam para os filhos. A proporção de crianças suscetíveis a usarem telas por mais de quatro horas por dia foi, respectivamente, de 20%, 13% e 7%, ressaltando a importância de explicar, desde cedo, a razão dos limites impostos.

No sistema educacional, as tecnologias digitais precisam se adaptar à pedagogia, não o inverso. Crianças que aprendem a escrever no computador enfrentam mais dificuldades para aprender a ler e escrever à mão do que aquelas que utilizam lápis e papel. As soluções digitais devem complementar, e não substituir, o sistema tradicional de ensino. Até hoje, o investimento na formação de professores competentes e dedicados é a única estratégia que demonstrou resultados consistentes e duradouros.

Assim como ocorre com a rotulagem de alimentos e cigarros, poderiam ser aplicadas advertências nas mídias sociais, informando os usuários sobre os riscos do uso excessivo, como o potencial de vício, ansiedade e o excesso de dopamina liberada. Devemos aproveitar os benefícios da tecnologia e o alcance das redes sociais para promover saúde, bem-estar e educação. Aplicativos como o Duolingo, para aprender idiomas, e o Calm, para meditação, estão se destacando nesse sentido.

A discussão sobre como transformar o uso da tecnologia em promotora de saúde e bem-estar ainda está em seus estágios iniciais, mas a conscientização sobre os riscos e a implementação de estratégias para evitar o vício são urgentes. É hora de aproveitarmos os benefícios da tecnologia, especialmente ao cuidar de nossas crianças. Como disse o jornalista francês Guillaume Erner, “deem telas aos seus filhos; os fabricantes de telas continuarão dando livros aos deles”.

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