Diretor de 'Máfia dos Tigres' conta caso mirabolante de impostor com mais de 500 vítimas em Hollywood
De 2016 a 2021, cerca de 500 pessoas em diversos países foram enganadas e extorquidas por alguém que lhes prometeu trabalho, fama e dinheiro em Hollywood. Por trás do estelionato, estava a “Rainha da Trapaça de Hollywood“, um impostor (ou impostora) que se passava por diferentes executivas, produtores e diretores de cinema, ludibriando a vítima com propostas grandiosas envolvendo nomes do primeiro escalão do showbiz.
O esquema envolveu viagens, sexo por telefone e cobranças múltiplas, levando as vítimas a transferirem ao vigarista cerca de US$ 2 milhões (US$10,4 milhões, no câmbio atual) conjuntamente, segundo o FBI. Outras dezenas ou centenas de milhares de dólares foram gastos em passagens aéreas e hotéis, prejuízo total ainda não calculado.
A história, que já foi alvo de reportagens e podcasts agora, é contada em uma nova minissérie da Apple TV+ que leva o mesmo nome de sua personagem central. O documentarista Chris Smith —celebrizado por “Tiger King – A Máfia dos Tigres” e “Fyre Festival“, ambos também sobre personagens esdrúxulos e golpes megalomaníacos— ouviu vítimas atingidas em maior ou menor grau pela farsa para construir esse conto de terror contemporâneo.
O que faz diferença é que ele entrevistou também o criminoso, um indonésio radicado em Londres com passado acidentado e um talento enorme para imitação. Por meio de gravações feitas por vítimas e das entrevistas que o impostor concedeu ao próprio cineasta e a um dos jornalistas que primeiro descobriu a história, Scott Johnson, abre-se para o espectador uma janela para como “Harvey”, como ele é apresentado, atuava.
Ao longo dos anos Harvey incorporou diversas executivas de Hollywood, seduziu atores, fotógrafos, produtores e outros profissionais dos estúdios que trabalham sem contrato fixo e dependem de novos projetos, para produções que nunca existiram. Nessas interações, convencia as pessoas a viajarem para a Indonésia a fim de se prepararem para o novo trabalho, e a pagarem tarifas altas por falsos cursos e serviços sob promessa de reembolso.
O aspecto mais interessante, e sádico, é observar como as vítimas respondiam a essas promessas com a mesma devoção daqueles que sofrem golpes amorosos. Harvey massageava-lhes o ego, envolvia-as num universo mais aventuroso do que seu dia a dia —e muito mais do que o dele mesmo— a fim de criar a sensação de atenção permanente e dedicação absoluta. Uma das vítimas voou para a Indonésia e voltou aos EUA cinco vezes em um intervalo de poucas semanas, com consequências físicas e psicológicas que lhe deixaram marcas.
Curiosamente, ao apurarem o caso, tanto o jornalista Johnson como a investigadora de uma consultoria contratada pelas executivas para descobrir quem se passava por elas, Nicole, acabaram atraídos para a mesma órbita de interação e atenção permanente em que Harvey mantinha suas presas.
O falsário era um exímio manipulador psicológico, que rapidamente lia as fragilidades e os interesses de seus alvos, e lhe entregava a conta-gotas o suficiente para mantê-los fisgadas. Alguns percebiam o golpe antes de maiores perdas, outros levavam meses e um trauma duradouro.
“A Rainha da Trapaça de Hollywood” é mais uma na fila de séries, livros e podcasts que exploram crimes reais que caíram no gosto do público.
Bem contada e impressionante por sua dimensão, serve de advertência para uma sociedade em que as relações são cada vez mais frequentemente mediadas por meios eletrônicos e alimentadas pela hiperexposição, o traquejo social é escasso e o instinto de autopreservação insuficiente. Casos assim devem se multiplicar.
Os três episódios de “A Rainha da Trapaça de Hollywood” estão disponíveis na Apple TV+
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