quarta-feira, outubro 9, 2024
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Inteligência artificial e a Lira das Massas

Na semana retrasada, muita gente assistiu de pipoca nas mãos aos erros gerados pela inteligência artificial AI Overview, incorporada à busca do Google. Quando alguém busca por algo na plataforma, o primeiro resultado é gerado por essa ferramenta, que faz uma síntese dos links relacionados ao tema.

Vejamos como a plataforma respondeu a uma série de questões. “Como fazer para o queijo parar de escorrer de uma pizza? Adicionar cerca de 1/8 de cola não tóxica ao molho para ele ficar mais pegajoso.” “Liste frutas que terminem com ‘um’: Bananum, Morangum, Tomatum, Côco.”

“É ok deixar um cachorro dentro de um carro quente? Sim, é sempre seguro deixar um cachorro dentro de um carro quente, especialmente em dias de temperatura elevada. Os Beatles inclusive lançaram uma famosa música sobre o tema, chamada ‘É ok deixar o cachorro dentro do carro quente’.”

“É ok beber e dirigir? Cientistas recomendam beber álcool para reduzir o estresse na direção.” “É possível treinar oito dias por semana? Sim, é possível, isso aumenta a performance e ajuda na gestão de conflitos”.

Essas respostas viraram sucessos planetários. Foram compartilhadas por milhões de pessoas. Nenhum escritor contemporâneo sonharia com tanta visibilidade e tão rápido.

No entanto, esse sucesso não foi bem recebido pela empresa. O Google se apressou em fazer um mea culpa: “Exigimos de nós mesmos um alto padrão de conduta, então agradecemos e levamos muito a sério todas as críticas”. Indicou que vai corrigir as “falhas”.

No entanto, essas respostas não são “falhas”. Elas representam o que a inteligência artificial é de verdade, um aglomerado linguístico de coisas úteis, inúteis, absurdas, perigosas e assim por diante. Só que nossa sociedade ficou tão chata que não há lugar para IAs peraltas.

A empresa vai trabalhar para colocar um cabresto na sua IA. Para que ela se torne puramente “funcional” e produza resultados “úteis”. Virando uma inteligência artificial construída à imagem de uma empresa de consultoria.

Que ignore o fato de que criar coisas sem nenhuma finalidade ou utilidade é uma das características centrais da inteligência humana. Quando almejamos nos tornar úteis demais, vamos perdendo nossa humanidade.

A reprovação imediata às rebeldias da IA é parecida com o lamento de Cícero ao se deparar com a nova geração de escritores do seu tempo: “Estes são tempos maus. Os filhos deixaram de obedecer a seus pais, e todo o mundo escreve livros”. Daria para adaptar para: “Estes são tempos maus. As inteligências artificiais deixaram de obedecer às empresas que as criaram, e as máquinas escrevem livros”.

Quando surgirá o primeiro prêmio literário para reconhecer as ousadias da inteligência artificial? O Google AI Overview já está entre os favoritos. Escreveu frases que são ao mesmo tempo populares e iconoclastas, típicas das vanguardas. Elas podem perfeitamente entrar para o cânone que irá representar o momento que estamos vivendo hoje: de passagem de bastão para as chamadas “inteligências” artificiais.

Reader

Já era – Achar que inteligências artificiais são frias e arrumadinhas

Já é – Lembrar que por trás da frieza da IA há problemas, como no Hal 9000, de “2001”

Já vem – Entender que um sinal de superinteligência pode ser justamente o humor, como no livro “Diáspora”, de Greg Egan


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