terça-feira, outubro 8, 2024
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Marcha para Jesus ainda é campo minado para Lula, e eleitorado evangélico, arapuca para PT

Lula (PT) não foi, mas enviou seu Messias.

Mais uma vez ausente na Marcha para Jesus, o mais graúdo evento do calendário evangélico nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu que seu advogado-geral da União, Jorge Messias, entregasse uma carta ao apóstolo Estevam Hernandes.

Raro quadro evangélico no governo federal, o batista Messias o fez, mas mudo entrou, mudo saiu do palco. Recebeu uma oração e não mencionou o nome do chefe. O silêncio aponta cautela.

Em 2023, quando cumpriu a mesma missão de representar Lula, o ministro foi vaiado por parte do público ao citar o petista. O recado desta vez não foi dado à plateia no evento, e sim lido por Hernandes, idealizador da Marcha, no backstage.

Apenas no terceiro mandato o petista começou a dar satisfações pela ausência no evento, que existe desde 1993 e desde então só contou com a presença de um presidente, Jair Bolsonaro (PL), o católico amigado de evangélicos. Como no ano passado, Lula enviou uma carta ao “ilustríssimo apóstolo”, que a considerou “bonita” e “muito respeitosa”. Errou a grafia do destinatário (Hernandez em vez de Hernandes), mas caprichou no tom: nela, define-se “como cristão” e se diz “regozijado de ver a dimensão extraordinária que este evento tomou”.

O eleitorado evangélico também tem tomado proporções extraordinárias, uma arapuca certa para o PT. Se no passado já teve mais apreço do segmento, da cúpula pastoral à base de fiéis, o partido ano a ano se distancia dele.

Os motivos são múltiplos, mas resumamos assim: há um bocado de preconceito, um tanto de analfabetismo no léxico “crentês” e uma resiliente desorientação sobre como agir, entre aqueles na esquerda convencidos de que é preciso se reaproximar do grupo religioso que mais cresce no Brasil. E é sempre bom lembrar que a maioria evangélica é negra, pobre e feminina, três entrepostos eleitorais do lulismo —a não ser quando essa identificação religiosa entra na equação, e aí o endosso mingua.

A esquerda ainda está perdida sobre como estreitar o fosso cada vez mais sedimentado com esse estrato social. A preocupação no governo é não parecer “traíra” com sua base progressista, mas aumenta a impressão de que o melhor, ao menos por ora, é se afastar de batalhas que lhe parecem perdidas, como a da flexibilização do aborto.

Recentes derrotas sofridas no Congresso reforçam o diagnóstico de que a atual gestão não tem apoio parlamentar na chamada pauta de costumes, então melhor nem insistir, ou periga levar uma sova do bolsonarismo. Não ajuda a pesquisa da Genial/Quaest que mostra como mais e mais deputados assumem com desembaraço estarem à mercê da influência religiosa.

Hernandes admitiu à Folha que, se Lula decidisse estrear na Marcha, talvez encontrasse “um clima que pode ser hostil, o que obviamente seria um constrangimento extremamente desnecessário”. Bolsonaro e sua liga conservadora foram exitosos em colar no petista, que em 2009 sancionou o projeto de lei que incluiu a Marcha para Jesus no calendário nacional, o rótulo de inimigo dos evangélicos.

Pastores do campo conservador dizem ser previsível a reação da esquerda: “o Estado é laico, o presidente não tem por que ir a atos com Jesus no nome!”. Lembram, contudo, que a romaria política ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida no 12 de outubro não é alvo de grita, nem a promessa que Lula fez de acompanhar Janja, a primeira-dama, no Círio de Nazaré —para ficar em dois megaeventos católicos.

Tampouco foi malvista entre progressistas a saudação a Xangô, orixá da justiça, na posse das ministras Anielle Franco (Igualdade Racial) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas), reclamam esses líderes evangélicos.

E tem ainda a carta Bolsonaro nesse baralho eleitoral. O ex-presidente compareceu à Marcha, um gesto com forte simbolismo no segmento, em seu primeiro ano no mandato e também no último, durante a pré-campanha presidencial. É verdade que, nos dois anos fora do cargo, não foi.

Hernandes, que o respaldou no último pleito e esteve com ele na quarta (29), até avalia que seu charme eleitoral pode ter refluído. “O tempo desgasta muitas coisas, e a própria ausência, a inelegibilidade [de Bolsonaro], acredito que possa de alguma forma tê-lo enfraquecido”, diz. O que era “praticamente uma unanimidade” hoje “não existe”, embora o ex-ocupante do Palácio do Planalto conserve “uma maioria muito, muito grande” no segmento, segundo o apóstolo.

O que não faltam são nomes à direita que veem na Marcha uma via expressa para a simpatia dos evangélicos. Lá estavam os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), dois possíveis herdeiros do espólio bolsonarista em 2026, assim como Ricardo Nunes (MDB), prefeito que tentará segurar a cadeira na eleição paulistana que se avizinha. O deputado federal Marcos Pereira (Republicanos), bispo licenciado da Igreja Universal de olho na presidência da Câmara, foi outro a subir no palco.

A edição passada não recebeu tantos nomes vistosos da política nacional, mas é ano de eleição, e a gente sabe como o pessoal de Brasília gosta de acumular milhas aéreas e performar o milagre da multiplicação em eventos nessa época.

Lula tem incrementado o uso de expressões religiosas em seus discursos. Chegou a repetir “Deus” ou “milagre” 27 vezes, mais de uma por minuto, num ato em Pernambuco no mês passado.

Há descrença se conseguirá falar direto com a base evangélica, sem mediação de grandes pastores que lhe viraram as costas nos últimos anos, como ele deseja. Com Estevam Hernandes o petista optou por falar. Se sua história com o segmento terá final feliz, só Deus sabe.

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