CNJ julga inspeção extraordinária envolvendo juíza bolsonarista
A Corregedoria Nacional de Justiça fez correição extraordinária no gabinete da juíza federal Maria do Carmo Cardoso, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em abril deste ano.
A inspeção foi realizada na tarde do mesmo dia em que o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, determinou a fiscalização [portaria nº 17, de 17 de abril de 2024].
A autodenominada desembargadora é suspeita de morosidade na condução de processo envolvendo o suposto pagamento de propinas para a aprovação, pela Assembleia Legislativa do Amapá, da transferência, a uma mineradora, da concessão de estrada de ferro pertencente ao Estado.
O processo, que tramita sob segredo de justiça no Conselho Nacional de Justiça, está na pauta do julgamento virtual iniciado no dia 29 de maio e que será encerrado na próxima sexta-feira (7). O CNJ não prestou informações ao blog. Também consultado, o TRF-1 não respondeu até a conclusão deste post.
Conhecida como “Tia Carminha”, a magistrada é citada como amiga do senador Flávio Bolsonaro e tida como conselheira jurídica da família do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em novembro de 2023, o CNJ arquivou, por maioria, reclamação contra Maria do Carmo por uso das redes sociais para elogiar as mobilizações golpistas que cercaram instalações militares.
Ficaram vencidos, entre outros, o presidente do CNJ, Luís Roberto Barroso, e o corregedor Salomão (relator), que defendiam a abertura de processo administrativo disciplinar. Salomão determinou a suspensão dos perfis da juíza nas redes sociais Instagram e Twitter.
Prevaleceu o voto do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, que adotou o princípio da insignificância. Ele foi secretário-geral do Senado e é aliado de Renan Calheiros (MDB-AL).
Pedido de providências
A apuração que levou à correição teve origem em pedido de providências do promotor de justiça aposentado Afonso Gomes Guimarães, do Ministério Público do Amapá. Ele foi candidato a deputado federal, em 2022, pelo PTB. Não se elegeu.
Guimarães informou ao CNJ que atuou, em 2014, em inquérito instaurado na 4ª. Promotoria de Justiça e Defesa do Patrimônio Público de Macapá (AP) para investigar a suspeita de pagamento de propina na aprovação, pela Assembleia Legislativa do Amapá, da concessão de estrada de ferro para exploração por uma mineradora.
A empresa teria usado dinheiro originado do exterior (cerca de US$ 5 milhões). Houve compartilhamento de provas com a Polícia Federal em razão da existência de indícios do cometimento de crime.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou, em 2014, uma movimentação suspeita de R$ 10,6 milhões na conta de um dos investigados.
Guimarães informou ao CNJ que a estrada de ferro está dilapidada. Ele solicitou o monitoramento dos processos judiciais para prevenir manobras e evitar a prescrição.
O promotor requereu a nulidade do ato da Assembleia Legislativa. Pediu a decretação do perdimento, em favor do Estado do Amapá, de bens obtidos por meio ilícito; o pagamento de dano moral coletivo no montante de R$ 22 milhões e indenização por danos materiais no montante de R$ 405,5 milhões.
Na ação de improbidade administrativa, que tramita na Justiça Estadual, foi proferida sentença em julho de 2022 extinguindo o processo pelo reconhecimento da prescrição. A procuradoria-geral do Estado do Amapá apelou. Alegou que a sentença teria violado o entendimento do STF de que o novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo.
Gravidade dos fatos
Salomão analisou os documentos preliminares e considerou “a gravidade abstrata dos fatos narrados”. Determinou, em dezembro de 2023, a requisição de informações em caráter de urgência ao TJ do Amapá e ao TRF-1.
O corregedor mandou o tribunal estadual informar, no prazo de cinco dias, o estágio da ação de improbidade administrativa, “sobretudo porque consta que o processo foi distribuído em 2017 e ainda não foi finalizado”.
Salomão verificou que o inquérito policial tramitava no TRF-1, sob a relatoria de Maria do Carmo Cardoso. Determinou, então, que a magistrada prestasse informações, no prazo de cinco dias, sobre o processo, “sobretudo porque consta ter sido distribuído no ano de 2016 e ainda não ter sido finalizado”.
Foram expedidos ofícios ao Procurador-Geral da República, ao Defensor Público-Geral Federal e ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.
A presidência da correição foi delegada à conselheira Mônica Autran Machado Nobre. Também participou da correição Beatriz Fruet de Moraes, juíza do TJ-PR auxiliar da corregedoria.
“Tia Carminha” foi alvo de 25 representações no CNJ; 16 delas por alegado excesso de prazo. Houve algumas apurações por supostas infrações disciplinares. A grande maioria dos procedimentos foi arquivada definitivamente.
Antecedentes e influências
Maria do Carmo Cardoso faz parte de um grupo de magistrados que circula em torno do senador Renan Calheiros (MDB-AL) e do também alagoano Humberto Martins, ex-presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A figura central desse grupo é o advogado Cesar Asfor Rocha, ex-presidente do STJ, que deixou o cargo em 2012. “Tia Carminha” suspendeu investigação que apurava suspeita de pagamento de propina a Asfor Rocha. O inquérito, originado na extinta Lava Jato de São Paulo, tinha como base a delação do ex-ministro Antonio Palocci. O ex-presidente do STJ sempre negou as acusações.
Ela foi madrinha da indicação de Kassio Nunes para a vaga de Celso de Mello no STF. Nunes, então juiz no TRF-1, e Maria do Carmo foram juízes auxiliares da corregedoria nacional na gestão de Humberto Martins.
Maria do Carmo disputou, sem sucesso, as vagas dos ministros Arnaldo Esteves Lima e Eliana Calmon no STJ.
A juíza participou do lobby mineiro pela aprovação do TRF-6. Assinou moção de apoio a Sergio Moro, ministro da Justiça no governo Bolsonaro.