Julgamento virtual da Lava Jato no CNJ restringe debate público
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) deve encerrar nesta sexta-feira (7) o julgamento virtual dos quatro magistrados do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) que atuaram em ações decorrentes da Operação Lava Jato.
A tramitação foi marcada por divergências, sem discussões, entre o relator, Luís Felipe Salomão, que pretendia acelerar o julgamento, e o presidente do CNJ, Luís Roberto Barroso, que resistia às pressões.
A peça-chave é o voto-vista de Barroso, que rejeitou a proposta de Salomão de abrir Processo Administrativo Disciplinar contra a juíza federal Gabriela Hardt, o juiz federal convocado Danilo Pereira Junior e os desembargadores federais Loraci Flores de Lima e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. (*)
Barroso concluiu seu voto resumindo os argumentos que apresentou na sessão anterior: “A banalização de medidas disciplinares drásticas gera receio de represálias, e juízes com medo prestam desserviço à Nação”.
Segundo ele, “a responsabilização de juízes pela prática de atos jurisdicionais somente deve ocorrer em hipóteses excepcionalíssimas, quando estejam configuradas graves faltas disciplinares ou inaptidão absoluta para o cargo, sob pena de violação à garantia da independência judicial”.
No caso da juíza Gabriela, Barroso foi mais incisivo: “É descabido reenquadrar artificialmente a conduta investigada como infração penal para o fim de elastecer prazo prescricional já consumado”.
Há forte componente político no julgamento. O desfecho ocorre no momento em que a Lava Jato sofre seu maior revés, com o recebimento da denúncia contra o ex-juiz Sergio Moro no Supremo Tribunal Federal.
Plenário sem debates
Até as 21h13 desta quinta-feira (6), acompanharam o voto de Salomão os conselheiros João Paulo Santos Schoucair, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, Marcos Vinícius Jardim e Marcello Terto e Silva (os dois últimos, então representantes da OAB, votaram na sua última sessão no colegiado; eram tidos como votos certos do corregedor).
Os conselheiros Pablo Coutinho Barreto, Caputo Bastos e Guilherme Feliciano seguiram o voto divergente de Barroso.
O julgamento será concluído se forem computados pelo menos dez votos e alcançada a maioria simples.
Naquele momento, ainda faltavam votar seis conselheiros.
Os julgamentos do plenário virtual são públicos e podem ser acompanhados pelo site do CNJ. Num caso de grande repercussão, como esse, quando o acesso deveria ser irrestrito, a ausência do debate público priva o meio jurídico de acompanhar as reações no plenário.
Salomão propôs o afastamento cautelar dos quatro magistrados, na véspera da sessão de 16 de abril último [foram revogados os afastamentos de Gabriela e Danilo, e mantidos os de Loraci e Carlos Eduardo].
O tom dos debates na sessão anterior já permitia prever a linha do voto-vista de Barroso.
“A permanência de magistrados com esse histórico fragiliza a imagem da Justiça Federal”, disse o corregedor naquela sessão.
A decisão monocrática de Salomão foi “ilegítima, arbitrária e desnecessária”, disse Barroso. “Se chancelarmos isso, estaremos cometendo uma injustiça, quando não uma perversidade”, afirmou.
“Fizemos uma correição extraordinária a partir de mais de 30 reclamações. Foi uma correição isenta, de forma profunda”, disse Salomão.
Quando Barroso começava a contar os votos, Salomão interrompeu. “Vou tazer apenas uma sugestão. Nós poderíamos avançar na abertura do PAD dos [dois] desembargadores. Para eles, a situação é mais gravosa, seria mais interessante, já poderia contar o prazo…”
Barroso afastou a hipótese.
“Trarei meu voto na próxima sessão (21 de maio). Eu quero marcar uma posição. Pode ser até de adesão pela abertura do PAD. Eu não tenho lado, meu lado é o do processo”, disse.
Quando Barroso se preparava para proclamar o resultado da votação, Salomão disse que “conversara com Gabriel [juiz Gabriel Matos, que substituía a secretária-geral] para colocar tudo no virtual”.
Ou seja, foram levados a julgamento virtual os procedimentos disciplinares trazidos para julgamento conjunto pela Corregedoria Nacional de Justiça na sessão de 16 de abril.
Eis alguns trechos do voto-vista:
– Não há indícios de descumprimento deliberado de decisões da Suprema Corte.
– Não é possível abrir processo administrativo disciplinar, muito menos afastar magistrados pela prática de ato jurisdicional, sem nenhuma evidência de qualquer tipo de vantagem ou comportamento impróprio.
– Não houve imputação de enriquecimento ilícito de nenhum agente público. O que se discute é eventual impropriedade na criação de fundação privada, para atender interesses públicos.
– Não à toa, inicialmente, a Corregedoria do TRF-4 arquivou a representação contra a juíza [Gabriela], por considerar ato jurisdicional a homologação questionada.
– O então Corregedor Nacional, Ministro Humberto Martins, arquivou o procedimento que aqui tramitara, por chegar à mesma conclusão: o ato impugnado tem natureza jurisdicional.
– A então Corregedora Nacional, ministra Maria Thereza de Assis Moura, levou o recurso a julgamento na sessão virtual de 22 de outubro de 2021 e negou-lhe provimento. Outros sete Conselheiros a acompanharam.
– O conselheiro Luiz Fernando Bandeira pediu vista, suspendendo o julgamento e devolvendo os autos no prazo regimental.
– Em 20 de dezembro de 2021, em nova sessão de julgamento virtual, conselheiro que já não integra este Conselho pediu destaque para o Plenário presencial. (…) Cerca de um ano e meio depois, em 21 de setembro de 2023, o conselheiro deixou o CNJ sem apresentar voto. O cenário narrado traz fatos objetivos que não pretendo adjetivar.
– Pretende-se agora enquadrar o caso sob a perspectiva criminal – que não havia sido suscitada antes –, o que teria como consequência elastecer o prazo de prescrição,
– Não se descobriu fato novo entre o relatório preliminar e o final, tanto que este afirma “não inova[r]” em relação àquele. Se não há fatos novos, não haveria razão para novo relatório. Assim, o que se fez foi apenas um reenquadramento jurídico de fatos já apurados.
– Ao decidir litígios, juízes sempre desagradam um dos lados em disputa, às vezes ambos. Para bem aplicar o direito, magistrados devem ter a independência necessária. A banalização de medidas disciplinares drásticas gera receio de represálias, e juízes com medo prestam desserviço à Nação.
(*) Processo nº 0006135-52.2023.2.00.0000