quarta-feira, outubro 9, 2024
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O difícil exercício da sororidade com bolsonaristas

A deputada Júlia Zanatta (PL), aquela da tiarinha, acionou o Ministério Público contra a colega Erika Hilton (PSOL), por ter sido chamada de “feia” e “ultrapassada”. A desavença foi além: “vai hidratar esse cabelo”, ironizou a psolista. Eu não deveria, mas ri. Embora a aparência de outra mulher não deva ser motivo para atacá-la, gente como a deputada da tiarinha só entende essa língua. O idioma machista ao qual estão acostumadas a tratar outras mulheres, a desdenhar do movimento feminista, com base em estereótipos cultivados para alimentar a crença de que nós, ativistas, odiamos homens, somos abortistas, pouco femininas, queremos destruir a família.

“Vai hidratar seu cabelo” não é uma crítica estética, é um ponto final numa discussão com um interlocutor medíocre. É o sacrifício de descer ao nível primário e equiparar a falta de argumentação. É a sinalização de que a paciência acabou. E se tem uma tarefa hercúlea é enfrentar qualquer tentativa de debate com a bancada da teocracia bolsonarista e suas representantes mulheres.

Na última década, um conceito antigo parido pelo feminismo ganhou espaço, o de acolhimento entre as mulheres. A sororidade é uma palavra tão bonita quanto o que ela carrega: a cumplicidade de gênero, a união por um mundo melhor para todas nós, independentemente de nossas diferenças ideológicas. Na teoria, ela se manifesta no dia a dia, quando nos dedicamos a políticas públicas e iniciativas privadas que facilitem nossa inclusão em ambientes onde ainda somos exceção, à defesa de uma legislação mais rigorosa contra violência, à valorização do nosso papel na sociedade.

Eu quero praticar a sororidade, mas me deparo com a deputada da tiarinha, que mente, manipula e legisla contra outras mulheres. Quero focar as questões importantes que ainda temos que combater como sociedade e não deixar que meus preconceitos estéticos se manifestem, mas tem sempre uma bolsonarista para jurar que feminismo é “uma máquina de moer lindas jovens e transformá-las em barangas”. O espelho usado pelo movimento serve para que as dores alheias sejam refletidas em todas nós. Mas também serve para revelar a feiura das entranhas de todas essas que contribuem para que a desigualdade de gênero se perpetue.

Quero ser uma feminista melhor e defender até aquelas com quem não tenho a menor intenção de me relacionar. Como já disse, o feminismo não é um clube em que as associadas firmam um pacto em que caráter e comportamento não são questionados. É um movimento social que defende interesses coletivos, mas vem uma desgraçada de uma bolsonarista ganhar dinheiro com curso antifeminista, que prega submissão e ensina a conquistar homem provedor.

Eu juro que respiro, encho os pulmões de ar, para não ter um ataque de tosse cheio de catarro e ódio, ao ver uma bolsonarista atacar mulheres felizes com sua independência e com suas escolhas, mas que não se encaixam num modelo padrão de sociedade que já provou não ser o único e muito menos livre de fracassos e frustrações.

Quero ser mais tolerante, um dos pilares da sororidade, e ter um olhar carinhoso para esse universo tão diverso que é o gênero feminino, tão plural, tão plural, mas sempre tem uma cafona da “bancada do estupro” que se define como “gente de bem”, mas quer condenar milhares de meninas e de mulheres a uma vida de violência e sofrimento. Às vezes, o diálogo possível é mandar hidratar o cabelo, se olhar no espelho, achar um tanque de roupa.


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