Gonet quer fiscalizar trabalho presencial do Ministério Público
O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) tenta reduzir uma distorção estimulada pela expansão do teletrabalho: a ausência de membros do Ministério Público para exercer presencialmente suas atividades.
O corregedor nacional do Ministério Público, Ângelo Fabiano Farias da Costa, expediu recomendação às corregedorias da União e dos Estados para promover a fiscalização regular da presença física dos membros do MP em audiências, atos presenciais e sessões de tribunais. (*)
Em maio, o procurador-geral da República, Paulo Gustavo Gonet Branco, assinou portaria que obriga a presença física dos membros do MPF nas sessões presenciais e híbridas de julgamento dos Tribunais Regionais Federais.
“A recomendação se volta a todo o Ministério Público brasileiro e busca apenas realçar a importância da presença física nos atos que sejam realmente presenciais”, afirma Ubiratan Cazetta, presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).
A pandemia modificou a forma de atuar nos processos, diz Cazetta. “Houve aumento de sustentações orais em tribunais, viabilizando que partes que não morem nas capitais possam efetivamente ser representadas”.
Ele cita o Programa Justiça 4.0 (permite o funcionamento remoto, totalmente digital, e atende de forma virtual quem procura a Justiça sem precisar se deslocar até um fórum).
“No caso do MPF, em parte por conta da especialização das varas federais, é bastante comum que o membro lotado em uma cidade seja responsável por audiência realizada em outra localidade”, afirma o presidente da ANPR.
“Ele poderá fazer a sua participação por meio virtual, sem a necessidade de uma viagem apenas para a realização de uma audiência”, diz Cazetta.
Heranças da gestão Aras
Outros fatores provocaram o uso intensivo do trabalho à distância, a partir da gestão do PGR Augusto Aras. Com a desmontagem das forças-tarefas da Lava Jato, houve a chamada “operação tapa-buraco”, com a criação de equipes de outros estados, que trabalhavam de forma remota.
Segundo nota divulgada pelo MPF em junho de 2021, a redistribuição “faz parte do esforço da PGR de multiplicar a experiência exitosa da atuação conjunta registrada nos últimos anos em Curitiba para outras unidades”.
Atribui-se a Aras, que pretendia obter um novo mandato ou uma vaga no STF, a criação de mecanismos para engordar as contas dos membros do MPF (penduricalhos), como gratificações por acumulação de acervos e ofícios virtuais.
Reportagem de Lucas Marchesini e Matheus Teixeira, publicada na Folha em junho último, revelou que o MPF pagou em 2024 benefício financeiro por acúmulo de função a 64% dos procuradores.
Em média, foram depositados neste ano R$ 11,6 mil na conta de 753 dos 1.167 integrantes da carreira —em uma ou mais parcelas.
O benefício sempre existiu e foi regulamentado em 2020, na gestão de Aras, que assinou uma portaria normatizando a remuneração extra de até um terço do salário para profissionais que acumulam funções dentro do órgão.
Na ocasião, Ubiratan Cazetta afirmou que a quantidade de pessoas recebendo o benefício se deve à falta de pessoal no MPF.
“Há um crescimento no número de processos e uma não-reposição de membros”, disse.
Na última sessão do CNMP em 2022, o conselho aprovou de forma instantânea, sem divergências, o pedido para autorizar a indenização de férias anuais não gozadas.
O pedido partiu da ANPR. O relator foi o conselheiro Ângelo Fabiano Farias da Costa, atual corregedor nacional, que assina a recomendação para a fiscalização do trabalho presencial.
Queixas dos procuradores
Foram criados vários ofícios virtuais. A formatação das atribuições (como corrupção/improbidade) gerou alguns obstáculos incontornáveis. Há procuradores cuja atribuição se estende a mais de 100 municípios.
Os procuradores que se voluntariavam recebiam extras. Com as várias formas de remuneração-extra, esses ofícios teriam deixado de ser atrativos.
O Conselho Superior do MPF decidiu que membros de todos os estados precisariam assumir compulsoriamente esses ofícios. Isso afetou principalmente o trabalho na ponta. Na Amazônia, membros do MPF, sobrecarregados de demandas indígenas e ambientais, e que não fazem trabalho à distância, são obrigados a fazer parecer previdenciário do Sul e do Sudeste.
Essa nova atribuição compromete a ação do Ministério Público no combate ao crime organizado e à devastação ambiental.
Nos estados, em muitas localidades apenas uma minoria trabalha presencialmente. Muitos não estão residindo no domicílio funcional.
(*) Fundamentos da recomendação
A Portaria PGR/MPU nº 78, de 30 de abril de 2024, regulamenta o regime de trabalho não presencial dos servidores do Ministério Público da União (MPU), e traz o conceito de teletrabalho, híbrido, trabalho à distância e trabalho remoto.
Lei de 1993 prevê entre os deveres dos membros do MP, “zelar pelo prestígio da Justiça” e “assistir aos atos judiciais, quando obrigatória ou conveniente a sua presença”.
O trabalho virtual é justificado, por exemplo, quando o membro do MP estiver autorizado formalmente a atuar em regime de teletrabalho, ou a trabalhar fora da sede. Ou quando a audiência presencial ocorre em município diverso da unidade em que ele atua.
A ausência também é justificada quando o magistrado presidente da audiência presencial participa de ato de forma virtual.
O CNMP também recomenda, nas participações virtuais, manter a liturgia dos atos presenciais. Inclusive quanto às vestimentas, mantendo câmara ligada em local adequado.
O cumprimento dessas recomendações deverá ser relatado à corregedoria nacional no prazo de 90 dias.
Eventuais apurações disciplinares a respeito da presença física deverão ser comunicadas diretamente ao sistema nacional de informações mantido pela corregedoria nacional.