Paris bem vale uma lágrima
E o Cachorrão chorou.
Terminada a prova dos 400 metros livre na piscina da Arena Paris La Défense, Guilherme Costa, 25, o Cachorrão, debulhou-se em vale de lágrimas.
Obteve o melhor tempo de sua vida ao ficar entre os cinco principais nadadores do planeta na especialidade.
Mesmo assim, o Cachorrão chorou.
Chorou sentado no bloco de partida tão logo saiu da piscina.
Cotovelos nos joelhos, as duas mãos no rosto, chorou copiosamente.
Cachorrão acabava de bater o recorde sul-americano e mesmo assim derramou-se em lágrimas.
Ele estava certo de que subiria ao pódio, de que abiscoitaria a medalha de bronze.
Repita-se: chegou à finalíssima, antes de pular na água já estava entre os oito grandes do mundo, bateu o recorde continental, atingiu o melhor tempo de sua carreira, mas era a imagem acabada do fracasso.
Chorou à beira da piscina, chorou ao ser entrevistado, sabe-se lá quanto mais chorou quando ficou sozinho.
Guilherme Cachorrão ganhou e não percebeu.
Ganhou não apenas a simpatia de quem o viu desolado.
Ganhou mais.
Ganhou de si mesmo, superou-se e, segundo o budismo, “a vitória sobre si mesmo é a maior de todas as vitórias”.
Tente convencê-lo e será em vão.
Menos mal que o Cachorrão ainda competirá nos 800m livre — eliminatórias nesta segunda-feira (29) pela manhã, final às 16h, tomara que com ele entre os oito, como aconteceu na Olimpíada de Tóquio.
Quem sabe se a medalha virá para que possa voltar a chorar, mas pela emoção da conquista.
A linha do tempo na vida de atletas como a dele é contada em períodos de quatro anos, entre as Olimpíadas, por mais que existam dezenas de outras competições entre uma e outra.
Daí a simplificação cruel de que alguém passou quatro anos se preparando e, na hora agá, perdeu. Às vezes no primeiro dia, na primeira prova, sem mais.
Como aconteceu com o ginasta Arthur Nory, campeão mundial em 2019, medalhista de bronze na Rio-16 e um dos favoritos na barra fixa em Paris.
O brasileiro errou e acabou eliminado.
Por isso, Nory também chorou. “Estou me sentindo muito mal”, repetia na entrevista, como se tivesse cometido algum crime.
Vejam bem a rara leitora e o raro leitor, Nory é um campeão mundial que conhece o sabor da medalha olímpica.
Contudo, parecia o mais desafortunado dos seres humanos.
Não se trata de passar pano para ninguém, de ser complacente com a derrota e muito menos do antigo lengalenga sobre a falta de apoio, que fazia de cada atleta brasileiro um herói.
Porque, apesar de ainda longe do ideal, já faz tempo que as condições para o alto rendimento estão bem melhores.
Trata-se só de constatar que quando o atleta chega às Olimpíadas encontrará para disputar com ele os melhores de cada país, com o mesmo sonho, a mesma disposição.
Daí ser recomendável ao COB ensinar a cada um que estiver frustrado a música de Paulo Vanzolini, “Volta por cima”: “Chorei, não procurei esconder/Todos viram, fingiram/Pena de mim, não precisava/Ali onde eu chorei/Qualquer um chorava/Dar a volta por cima que eu dei/Quero ver quem dava”.
Rei da França, Henrique IV (1553-1610), um dia disse que “Paris bem vale uma missa”, com o que anunciou ter trocado o protestantismo pelo catolicismo.
Que aqueles que perderam, e os que vierem a perder, tenham a mesma clareza: o privilégio de chorar sobre o Sena é experiência inesquecível.
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