domingo, outubro 6, 2024
Noticias

King Kong invade a estação da Luz

Estava pensando no que fazer sexta-feira à noite e comecei a analisar possibilidades. Depois de ler as mensagens no WhatsApp lembrei que iria acontecer uma projeção na rua, na estação da Luz, do filme “King Kong”, a oitava maravilha do mundo, de 1933, dirigido por Merian Cooper e Ernest Schoedsack. Achei o programa perfeito. O filme começava às 19 horas e tive tempo para me preparar e pegar o metrô.

Cheguei na Luz no meio da multidão e tentava achar o local do cinema. Decidi seguir pela saída na rua Mauá e acertei o caminho. Perguntei para um guarda onde estava acontecendo a projeção e ele disse que não sabia, mas apontou para um grupo de pessoas que parecia estar à espera de um evento.

O cinema não ficava exatamente ao ar livre. Estava em um dos cantos da estação numa sala provisória com uma cobertura de placas de plástico e cem cadeiras. Tinha pipoqueiro, água e guaraná de graça. Mais da metade dos lugares estava ocupada.

Quem quiser assistir “King Kong” pode buscar no YouTube. O filme está disponível na íntegra. Mas vê-lo na rua se apresentava como uma experiência diferente, especialmente por causa da localização e da diversidade do público.

Primeiro tem a emoção que leva alguém à estação da Luz, de frente para o parque, durante a noite. Parece perigoso, mas o lugar estava protegido e seguro.

Depois tem a questão da inclusão. É um sistema que abre as portas para todos e serve para atrair pessoas vulneráveis para um ambiente que lhes é normalmente distante. Não é necessário pagar ingresso e moradores de rua da região dividem o espaço com o público de classe média.

O cinema ao ar livre em um lugar tido como inóspito traz uma reflexão sobre a metrópole, que pode ser mais amigável e inclusiva.

King Kong é um anti-herói trágico. Vivia na selva, lutando contra monstros pré-históricos e curtindo sua rotina de macaco gigante e, de repente, vê seu mundo ruir diante da chegada da civilização. Um muro de 15 metros o separava dos aborígenes, que lhe entregavam seres humanos em sacrifício para aplacar sua fúria. Mas ele fica obcecado pela mulher loira que lhe foi oferecida e comete o erro fatal de ultrapassar esse muro e sair da natureza.

A partir daí é atingido por bombas anestésicas que o subjugam. É levado para Nova York e, logo em seguida, quando escapa das correntes do cativeiro, morre numa queda do topo do Empire State Building.

A exibição de “King Kong” faz parte do projeto Luz na Tela, organizado pelo Museu da Língua Portuguesa e pelo Museu Soberano, na rua do Triunfo, epicentro da produção cinematográfica da antiga Boca do Lixo, próxima da estação da Luz. Regulamente, na última quinta-feira do mês, é exibido um filme na estação. O primeiro foi “Luzes da Cidade”, de Charlie Chaplin, em abril. O próximo, em agosto, vai ser “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, que completa 60 anos.

O Luz na Tela é um desdobramento do 1º Festival Cultura e Pop Rua – População em Situação de Rua e Direito à Cultura, realizado pelo Museu da Língua Portuguesa e pelo Sesc São Paulo, em agosto do ano passado. Foram oferecidas diversas atividades culturais, rodas de conversa e serviços aos moradores de rua.

São eventos que tentam dar voz e algum prazer a uma população silenciada e imersa em um mundo soturno. Depois de “King Kong”, algumas pessoas em situação de rua foram falar com os organizadores sobre o filme. Uma delas disse que achou a história triste por causa do terrível destino do macaco.

“Fazer cinema na rua é uma vocação histórica deste território, que foi um palco vibrante de produção cinematográfica, especialmente entre as décadas de 60 e 90”, dizem Renata Forato e Marcelo Colaiácovo, sócios-fundadores do Museu Soberano, referindo-se à Boca do Lixo.

Com alguma frequência acontecem projeções de cinema ao ar livre. A última foi uma mostra, em abril, com 38 filmes de curta-metragem no Minhocão. Em março de 2023 foi realizado o Cine na Praça, no Parque do Povo, na zona Sul. O projeto Luz na Tela, porém, tem impacto social e um apelo especial.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

source

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com