domingo, outubro 6, 2024
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Livros de autores pouco conhecidos de nossa literatura se pautam pela poesia e pela vida

A literatura contemporânea tem produzido uma fartura de bons livros. Além do belo texto, costurado com qualidade, cuidado gráfico e o esmero editorial que permeiam tais produções, muitos desses autores ainda ficam à margem do alcance do grande público.

Em síntese, é o caso de três autores desconhecidos e quase estreantes: Marcos Alcântara, da cidade de Itabira, em Minas Gerais; Ana Dos Santos, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; e Viviane de Paula, de Campinas, na grande São Paulo.

Lidos pela perspectiva do valor inerente a cada um desses livros, dentro do aspecto literário, o que temos são autores confinados, muitas vezes, sem a projeção necessária da dimensão que suas verdadeiramente obras merecem.

Em “Um Minuto de Atenção, por Favor” (editora Viseu), de Marcos Alcântara, por exemplo, o autor se lança no mundo da ficção através da escrita de contos. Sem tirar nem pôr, este é um livro de dimensão emocional. São 33 narrativas curtas, permeadas de forte lirismo e de uma poesia em prosa que nos toca e emociona.

“Quando, realmente, eu vou encontrar a pessoa certa?”, a pergunta enigmática brota do livro para o universo de nossa mente. Não chega a ser um livro perturbador, embora a temática sugira, mas é um livro que se propõe abrir portas por tratar de relacionamentos, afetos e dor existencial. Alcântara, em sua estreia como contista, apresenta obra de dimensão poética, sensível e profunda.

Escritor mineiro da terra sagrada do poeta Carlos Drummond de Andrade e do artista sacro Alfredo Duval, Marcos Alcântara tem a sensibilidade literária e artística que faz jus ao lugar onde nasceu, tangendo uma narrativa urbana, sem floreios e diretamente ligada a desafios.

Nascer na terra do maior poeta moderno brasileiro, impõe grandes desafios; o primeiro deles, vencido com segurança por Alcântara, é do talento. Por outro, advém de sua parcela criativa —daí se junta ao santeiro da cidade conhecida pelo seu famoso minério de ferro e pela fotografia na parede.

Na outra ponta desses autores, está a poeta gaúcha Ana Dos Santos. Ela agora lança “Maiúscula” (editora Libretos), livro que parece uma imersão, forjada a partir da pandemia, mas que viaja, de forma sensível, pelo seu universo erótico —algo já experimentado por ela em “Poerotisa”, de 2019.

No seu novo livro de poemas, dividido em três partes, Dos Santos carrega “nas letras pretas, eróticas e pornográficas”. Nunca desiste —ao contrário “persisto e insisto”, com confessa. É um livro também ancestral, e que, ao mesmo tempo, bate de “frente com a casa grande”. Em “Mar pretuguês”, termo que lembra Lélia Gonzalez, ela diz: “Quantos filhos em vão nasceram?/ Quantas famílias se separaram?/Para enriquecer Portugal, ó mar!”.

Na última parte do livro, intitulada “Afro Disíacas”, Dos Santos aprofunda o principal sentido de sua atual poesia, a pegada erótica. “Os lençóis/ainda estão/estampados/com nossas/marcas d’água”. Em outro poema, reverbera: “Clitóri-se, mulher!/8.000 terminações nervosas/esperando pra vibrar/no seu corpo inteiro”. E fecha, dizendo: “Solitária é aquela/cujos prazeres/dependem/da permissão/alheia”.

Depois de Marcos Alcântara e Ana Dos Santos, temos a poesia de “Flores Roxas” (editora Patuá), de Viviane de Paula. Essa poeta paulista, traz para o universo do verso, a experiência de suas viagens pelo mundo, a cólera e a confissão que permitem acessar a “moradia em suas preces”.

De Paula evoca de Carolina Maria de Jesus a Conceição Evaristo, passando Maria Firmina dos Reis a Elizandra Souza. Ou seja, as mulheres poetas negras habitam sua escrita. “Reconhecer a hora de dizer adeus/É mais do que aceitar a solidão do breu/E dos afetos que não mais serão teus.”

Os três autores, embora diferentes em si, falam de perdas, amores, sentimentos, (des)esperanças de viver e de existir. O dia e a noite, o mundo em ebulição, tudo orbita nos seus escritos, assim como a visão de um casal de beija-flores “se bicando”, como registra Alcântara. Assim como para Dos Santos, “a mulher atrás do batom,/é risonha, complexa e forte.” Totalmente drummondiana. Já De Paula, objetivada nas “coisas que desconheço”, declara-se: “Parte de mim, feito cristais, já se partiu.”

Como vemos, três autores, três livros e uma experiência de imersão diferente e tocante. O término dessas leituras nos provoca a sensação de um alívio absoluto.

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