segunda-feira, outubro 7, 2024
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Parques: concessão ou ocupação?

Os parques são lugares públicos por natureza e pela natureza que se consagraram como espaços de passeio, de encontros sociais e de contemplação. A preocupação com o meio ambiente impôs aos parques a condição de núcleos de preservação ambiental. A consolidação das atividades físicas como recomendação à boa saúde trouxe um novo impulso, passando a serem frequentados sistematicamente em diversos horários pela população de diferentes idades e camadas sociais em busca de boa condição física e mental. Os parques públicos oferecem a imprevisibilidade de encontros, de situações que os espaços privados não conseguem proporcionar, cujos acessos são controlados e destinados a grupos específicos.

A gestão de um espaço público é de responsabilidade do poder público, seja ela de maneira direta ou indireta, via organizações não governamentais ou mesmo empresa privada, cuja contratação exige transparência e compromisso com o caráter público do espaço. Infelizmente, os administradores têm entendido a manutenção dos parques como um meio de arrecadação de recursos, cedendo seus espaços para atividades lucrativas em detrimento do aproveitamento pela sociedade.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, o Parque Villa-Lobos completa 30 anos em 2024. Projeto do arquiteto Decio Tozzi para uma área abandonada, próxima a um depósito de lixo da prefeitura, que, hoje, constitui importante reduto ambiental dado o porte e a exuberância de sua vegetação. Foi concebido como um oásis musical, daí o nome em homenagem ao compositor Heitor Villa-Lobos, com a presença de um anfiteatro e equipamentos destinados ao conhecimento da música, além de quadras para esportes —futebol, basquete e tênis, ciclovia, pistas para caminhadas, áreas de contemplação, biblioteca e orquidário.

Sua proximidade à estação Jaguaré da CPTM confere-lhe uma rara condição de acessibilidade em relação a outros parques urbanos, sendo frequentado por pessoas vindas de várias regiões da capital. Estima-se que cerca de 5.000 pessoas passem pelo parque a cada dia da semana, e cerca de 20 mil aos finais de semana.

Muitos trabalhadores cruzam o parque, vindos da estação de trem, rumo aos bairros da Lapa, Vila Leopoldina, Boaçava e Alto de Pinheiros. Tornou-se ao longo dos anos um lugar de encontro de esportistas, de famílias e amigos, inclusive para comemoração de aniversários e até de formaturas. Um reduto de inclusão, resiliência e sustentabilidade, conforme os objetivos estabelecidos pelas políticas globais da Agenda 2030 da ONU.

Entretanto, sua gestão vem descumprindo esses objetivos, especialmente de sua natureza pública. Espaços, incluindo gramados, vêm sendo alugadas a eventos particulares aos quais são cobrados ingressos, cerceando o seu livre acesso e deteriorando as áreas verdes, chegando ao absurdo de um gramado ser cercado e alugado por uma firma de eventos para a realização de festas infantis. Sem qualquer constrangimento, placas anunciam essa cessão criminosa.

Enquanto as ciclovias e as pistas de caminhadas estão completamente à deriva, o orquidário, denominado Ruth Cardoso, está abandonado. Os equipamentos musicais não existem mais —Villa-Lobos virou uma ficção. Os sanitários são os únicos equipamentos que estão sendo reformados, pois precisam atender ao público dos eventos particulares, porém sem qualquer planejamento: vários ao mesmo tempo, em vez de um de cada vez, restringindo consideravelmente o número de sanitários disponíveis. Dos seis conjuntos, chegou a ter apenas dois em uso, provocando filas de espera.

Uma ocupação totalmente deturpada do seu caráter público, com autorização expressa ou por falta de fiscalização do poder público estadual, que não cumpre seu papel de gestão.

O Parque Villa-Lobos é apenas um exemplo da equivocada gestão e mesmo de compreensão do significado de espaço público. A responsabilidade de gestão, sem dúvida, é do poder público, mas o poder público é responsabilidade da sociedade que o elege. Denunciar esse equívoco é um dever cívico.

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