segunda-feira, outubro 7, 2024
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Crise no Brasil pode afetar poder de Musk sobre militares

O recuo da Starlink na briga entre Elon Musk e Alexandre de Moraes sinaliza uma novidade na antes inexorável ascensão do polêmico bilionário à condição de principal eminência parda de um dos mais importantes setores da economia mundial, o da defesa.

Os negócios de sua rede privada de satélites com os militares brasileiros são irrisórios: 15 antenas cedidas para apoiar ações do Exército e cinco contratos totalizando R$ 239 mil com a Marinha. Há outros negócios maiores por vir.

O principal é uma licitação aberta pelo Exército de ainda pífios R$ 5,1 milhões para ampliar a operação na Amazônia, vasta região em que 90% das cidades usam cobertura de internet por satélite de Musk.

O que interessa não são valores, mas modus operandi. Por obra de sua inesgotável capacidade técnica e financeira, o bilionário oferece o pacote completo: produz o foguete e o satélite que o coloca em órbita a custo competitivo.

Ultrapassando os aspectos comerciais deste triunfo de empreendedorismo e técnica, começam os problemas. Os milhares de satélites da Starlink ajudam ribeirinhos brasileiros a acessar a internet, mas são empregados para fins bem mais complexos.

Em 2021, Musk recebeu o equivalente hoje a R$ 9 bilhões para produzir uma versão militar segura do Starlink para os EUA, um programa totalmente obscuro. No ano seguinte, o bilionário entrou no jogo para valer quando salvou, literalmente, as Forças Armadas da Ucrânia de um apagão quando os mísseis de Vladimir Putin começara a cair sobre o país.

A custos desconhecidos, numa ação opaca do governo dos EUA, Musk colocou satélites do Starlink à disposição dos militares ucranianos. Só que logo o Starlink passou a ter unidades desativadas sobre regiões como a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014. A alegação citada pelo biógrafo de Musk foi a de que ele temia a Terceira Guerra Mundial se provocasse demais os russos.

Não por acaso, este era o argumento dos EUA, que parecem ser os fiadores do acerto Musk-Kiev, mas o fato é que esta foi a estreia da influência privada no destino da guerra moderna. Ainda não seria o caso do Brasil: aqui, as comunicações militares são privativas de dois satélites exclusivos, um de tecnologia francesa e outro, americano.

Indivíduos com o poder sobre decisões privativas de Estado não são novidade. Os produtores de armas da família Krupp ajudaram a Alemanha a tornar-se um império em 1871 e, se perderam fama após a Segunda Guerra, hoje constroem as novas fragatas da Marinha do Brasil.

Em 1961, o presidente Dwight Eisenhower famosamente se despediu do cargo nos EUA denunciando os perigos do que chamou de complexo industrial-militar, um Leviatã criado pela Guerra Fria no qual grandes empresas de armamentos vivem em simbiose com os Estados, influenciando decisões geopolíticas em nome do lucro.

Por óbvio, isso não valida todas as teorias de conspiração do mundo, aliás uma especialidade de Musk na sua operação de soft power com o X (ex-Twitter).

De todo modo, quando se vê quem são os ganhadores da disparada dos gastos globais com defesa, que atingiram em 2023 o maior nível desde a Segunda Guerra e se equivaleram a mais do que um PIB do Brasil, surgem os ecos da fala de Eisenhower.

Musk, nesse sentido, é o principal representante da geração digital nesse contexto, o que leva ao escrutínio de sua relação com governos. Autoritários como ele na Turquia e na Índia podem pedir censura a adversários sem problemas, enquanto no Brasil ele diz enfrentar uma ditadura judicial.

Um dia ajuda Volodimir Zelenski, em outro é elogiado por Putin e, depois, celebrado pelo ditador tchetcheno Ramzam Kadirov, que lhe agradeceu por ter ganho uma picape futurista da Tesla armada com metralhadora —até Musk negou a autoria da maluquice.

Isso dito, o recuo da Starlink no Brasil indica um caminho de acomodação em meio à balbúrdia, em nome dos negócios. Mas o alerta de risco dessa relação, dado pela crise do X, pode acabar por frear a ascensão de Musk ao papel de vilão de filmes de James Bond, só que na vida real.

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