Bolsonarismo dá sinal de descompasso com a base
O bolsonarismo, ao menos observado a olho nu, não parece o mesmo movimento que eletrizou parcelas volumosas da sociedade brasileira nos últimos anos.
O ato do Dia da Independência na Paulista foi menor e menos impactante que os dos anos anteriores —embora tenha reunido muito mais gente que o desfile em Brasília com Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Perdeu largamente da mobilização de fevereiro, quando investigações sobre conspirações subversivas apertavam o cerco a Jair Bolsonaro (PL).
Teria sido ainda mais discreto o evento de sábado (7), pode-se cogitar, sem a proibição do X decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, decisão que deu impulso de última hora ao comparecimento no ato direitista.
É cedo para diagnosticar uma tendência minguante na força centrípeta da corrente que, no Brasil, encarna o populismo conservador em voga nos países de tradição política ocidental.
Um teste mais objetivo a respeito ocorrerá nas eleições municipais de outubro. Bolsonaro tem percorrido o país ungindo candidatos de sua preferência, e as urnas, demagogicamente atacadas pelo movimento, darão uma medida da influência do seu líder.
Ao menos no Rio de Janeiro, o candidato apoiado por Bolsonaro, Alexandre Ramagem (PL), caminha para levar uma surra do atual prefeito, Eduardo Paes (PSD), a julgar pelo Datafolha.
Na disputa pela prefeitura paulistana, o poder do ex-presidente foi colocado em dúvida no recente entrevero entre o círculo de Bolsonaro, de um lado, e Pablo Marçal (PRTB), do outro.
Diante da adesão inicial da base mais radical e barulhenta da direita ao assim chamado ex-coach, Bolsonaro viu-se obrigado a recuar na ofensiva que ensaiou contra o outsider da autoajuda.
Até agora o ex-mandatário evita atirar-se explicitamente no barco do candidato que formalmente apoia —Ricardo Nunes (MDB)— e cujo vice designou. Sua posição em cima do muro contrasta com a militância ostensiva do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pela reeleição do prefeito de São Paulo.
O episódio mostra uma base indisposta a seguir cegamente a orientação do líder e aberta à apresentação de novatos que não estejam vinculados à tutela bolsonarista, embora adiram ao mesmo torneio de boçalidades.
Hipótese ainda a confirmar-se, o declínio do bolsonarismo não seria nenhuma surpresa. O maior desafio dos agrupamentos populistas em ambientes democráticos é mesmo o de sustentar-se por longos períodos, em especial quando são chamados a governar e a demonstrar na prática a inviabilidade das suas bravatas.
O próprio funcionamento do regime dos freios e contrapesos, da livre competição partidária e da alternância no poder acaba por minimizar as ameaças às bases da democracia que possam advir desses movimentos políticos. Eles tendem, inexoravelmente, ao desgaste.