domingo, outubro 6, 2024
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Os sinais de paquera virtual não correspondem à vida real

Parte do meu trabalho é conviver com jovens. Com eles aprendi que há muitas formas de se paquerar na internet e não é utilizando músicas no nickname ou chamando a atenção do outro usuário, como se fazia no saudoso MSN. A palavra “paquerar” já nem deve existir nas redes, as coisas evoluíram.

Agora existe pelo menos o dobro de possibilidades para iniciar uma paquera online. E nem incluo aqui aplicativos de namoro; entre as opções —deixemos de lado a discussão quase filosófica sobre o quão pouco isso representa—, está aceitar visualizações de stories no Instagram como sinal de interesse, assim como curtir fotos antigas.

Tímida para paquera –paquera sim, sou millennial– e há tempos ouvindo que curtir fotos antigas (têm que ser as primeiras postadas no perfil), resolvi fazer um experimento social e curtir fotos de um colega de trabalho que desde uma conversa de bar havia achado interessante.

Encorajada pelas férias que nos deixaria distantes por alguns dias, caso algo desse errado, fui ao seu perfil, rolei a tela até as publicações mais antigas e comecei. As fotos mereciam mesmo curtidas. O que mostravam eram programas com os quais me identifiquei, mas não revelarei para preservar a identidade do homem progressista que, assim como eu, lê jornal e talvez me leia. Em seguida, guardei o celular e segui com os compromissos da vida adulta de uma 30 mais.

Eis que ao abrir o aplicativo ao fim do dia, para a minha surpresa, ele havia feito o mesmo no meu perfil. Curtiu não só as fotos mais antigas, mas também as mais recentes. E agora? O que aquilo queria dizer? Ele também estaria interessado? Estaríamos paquerando online? Fui tirar as dúvidas com outros adultos um pouco mais jovens e inteirados do mundo virtual do que eu. Segundo eles era sim sinal de reciprocidade na paquera. “Amiga, ele também está a fim”; “Ai, irmã, rolou um interesse, é assim que se demonstra hoje em dia”; “Ele também vê seus stories?”. A última frase traria o elemento final para afirmar o suposto interesse. Mas não pude deixar de me sentir um pouco deprimida com tanta superficialidade. Quem mandou ler Bauman?

Apesar de achar problemático, devo confessar que achei o método mais fácil que os presenciais, já que evita o excesso de vergonha e minimiza o impacto de uma possível rejeição.

Apesar da ideia consolidada pelos meus amigos, não senti segurança de que aquilo fosse mesmo uma demonstração de interesse. Decidi esperar e ver se algo mais aconteceria —então me informaria sobre os próximos passos da paquerar virtual.

Se você é conectado deve saber melhor do que eu o que viria a seguir. Como nada mais aconteceu, nunca descobri. Retornamos das férias, voltamos a nos sentar próximos e calados, cada um com seu celular na mão. Ninguém puxou conversa a partir das fotos curtidas, não houve convite para jantar ou tomar uma cerveja após uma reunião de trabalho. Nem menção à suposta paquera.

Na vida real, seguimos sendo bons colegas de trabalho que trocam alguma camaradagem necessária para cumprir funções e o interesse ficou no mundo virtual, onde nada parece ser real.


Lina Maria Freitas tem 33 anos e é professora de história em Sete Lagoas (MG).

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