segunda-feira, outubro 7, 2024
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Bela, recatada e CEO do lar

Um assunto mobilizou o mundo corporativo, nesta quinta (19), depois que um print do fundador da Easy Taxi e presidente do grupo G4 Educação, Tallis Gomes, caiu na malha fina da internet. O sujeito, com aquele vibe coach sobre a qual temos falado muito, tem 800 mil seguidores no Instagram e abriu uma caixinha de perguntas para dividir a sua sabedoria. Uma delas foi a seguinte: se sua mulher fosse CEO de uma grande companhia, vocês estariam juntos?

Que homem não ficaria feliz, orgulhoso? Tallis Gomes. “Deus me livre CEO mulher.” Segundo ele, neste cargo, mulheres passam por um processo de masculinização, marido, filhos e lar deixam de ser prioridade, o trabalho envolve muito estresse e pressão, portanto é preciso ser “cascudo”, que a energia feminina deve ser concentrada na construção da família, porque este é “monopólio” da mulher, que os homens são incapazes de assumir essas tarefas. Para Tallis, bom mesmo é a bela, recatada e CEO do lar.

Para um sujeito que ficou rico vendendo mentoria de vendas, gestão e marketing, achei a resposta nível “Bolsonaro” na elaboração de pensamento. No descolamento da realidade, foi a versão coach de “O Conto de Aia”, o mundo distópico no qual a essência feminina é parir e cuidar da casa.

Não me surpreende, em absoluto, que esse pensamento reine num país em que a direita continua firme e forte. O que me espanta é que tipos como Tallis sejam festejados no meio empresarial. É o mesmo que declarou, num passado não muito distante, que não contrata “esquerdistas” e que foi bater palma para Javier Milei num evento.

O mesmo que ataca o feminismo por meio de estereótipos infantis, enquanto ocupa o cargo de conselheiro em empresas que produzem bens e serviços para mulheres, como o Grupo Hope, que vende calcinhas, e o Espaço Laser, em que tinha uma cadeira até 2023.

Tallis diz que o “mundo começou a desabar quando o movimento feminista começou a obrigar a mulher a fazer papel de homem”. “Papel do homem”: trabalhar, assumir responsabilidades, ocupar espaços e cargos de poder.

Para ele, tem muito marmanjo trabalhando pouco e dividindo conta com a mulher. O que ele não entende é que o problema não são os boletos, mas a falta de divisão de tarefas domésticas e na criação dos filhos, questões essenciais para que as mulheres decidam onde querem colocar a sua energia sem que fiquem esgotadas fisicamente e mentalmente.

Não porque não são capazes, as duplas e triplas jornadas mostram o contrário, mas porque o mundo mudou e o lugar de uma mulher não pode ser definido por imposição da sociedade porque os homens não estão dispostos a reequilibrar a distribuição da própria energia para que haja mais igualdade de gênero.

A “masculinização” a que ele se refere remonta a um tempo em que a presença feminina no meio corporativo, em gerências, diretorias e presidências, era rara e o único modelo de gestão aceito era o heteronormativo.

Ao mimetizar o comportamento masculino, éramos menos julgadas pelas roupas, menos questionadas pela forma de liderança ou capacidade de comandar projetos e equipes. Assim como conquistamos mais representatividade, conseguimos aos poucos impor nossas características de gênero, diferenciais valiosos para modificar a cultura empresarial, sem que nossas atitudes sejam consideradas, de forma pejorativa, “femininas” ou “de mulherzinha”.

Vamos deixando de copiar modelos masculinos, vistos como vitoriosos, mas cheios de falhas, de vícios, de crenças ultrapassadas, de abuso e de assédio. Essa é a grande ameaça do feminismo, desafiar padrões. Me admira que pessoas que se vendem como visionárias não tenham percebido essa mudança.


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