domingo, outubro 6, 2024
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Dom Pedro 1º: uma Constituição e um funeral

No mesmo ano em que se comemoram os 200 anos da Carta Constitucional que dom Pedro 1º outorgou ao país em 25 de março de 1824, relembram-se, nesta terça-feira (24), os 190 anos da morte deste que foi o primeiro governante do Brasil independente.

Entre a outorga da Carta e a morte dramática do ex-imperador no Palácio de Queluz, em 24 de setembro de 1834, pouco mais de dez anos se passaram. As singulares circunstâncias do personagem estão na origem da velocidade e da intensidade dos acontecimentos que mudaram sua vida.

Em 1824, foi conflagrada em Pernambuco a Confederação do Equador, a mais violenta revolta armada que abalou o Primeiro Reinado. No ano seguinte, tiveram lugar as sinuosas negociações com a Inglaterra para fazer com que Portugal reconhecesse a Independência do Brasil. Em 1826, morreu dom João 6º. Apesar de ser seu legítimo herdeiro, dom Pedro era imperador do Brasil e teve que abdicar da coroa portuguesa em favor da filha mais velha. No final daquele mesmo ano, sofreu a morte da imperatriz, leal companheira tão ofendida e humilhada pelo marido. Ainda em 1826, houve a retomada do funcionamento regular do Parlamento —o qual, ao longo dos anos seguintes, seria cada vez mais agitado por uma oposição aguerrida, que, apoiada e insuflada pela imprensa livre, acabaria por obrigá-lo a também abdicar do trono brasileiro em 7 de abril de 1831.

O exílio abriu para dom Pedro uma fase marcada por desafios muito diferentes dos que enfrentara no Brasil. Usando o título de Duque de Bragança, viveu um semestre em Paris, buscando o apoio necessário para a causa da filha. Em 1828, a coroa de dona Maria 2ª fora usurpada pelo tio dom Miguel, o irmão mais novo de dom Pedro. Retomá-la passou a ser seu principal objetivo.


Para isso, foi à guerra em Portugal. Resistiu por mais de um ano ao cerco à cidade do Porto —onde descobriu que não era Napoleão Bonaparte, um general capaz de comandar um exército, mas que podia ser um valoroso soldado a serviço da causa da rainha e da Constituição portuguesa. Cavou trincheiras, expôs-se a perigos, privações, doenças e medos. Aprendeu o exercício da humildade quando precisou suplicar ao general Saldanha, a quem tanto combatera, que assumisse o comando das forças militares.

Venceu. Pôs a filha no trono e foi benevolente com os inimigos, inclusive com o irmão. Benevolência repudiada pelos liberais aos quais entregara o poder. Como prêmio de seu sacrifício, sofreu uma tremenda vaia no teatro na última vez em que, já muito doente, ali apareceu. O melhor elogio que lhe foi feito foi publicado em um jornal francês: “D. Pedro n’est plus”. Com essas palavras singelas (“Dom Pedro não existe mais”), “O Constitucional” abriu o necrológio do primeiro imperador do Brasil.

Como outros textos em homenagem a dom Pedro publicados na imprensa europeia, ressaltam-se ali suas qualidades, seu heroísmo e seu desprendimento por ter recuperado a coroa portuguesa para a filha, tendo se contentado com o título de regente. Uma coroa que, diz o jornal francês, poderia muito justamente ter colocado sobre a própria cabeça.

Dom Pedro foi um príncipe da dinastia Bragança, casa que reinava em Portugal desde 1640. Pela morte do irmão mais velho, em 1801, tornara-se herdeiro do trono. Mas as monarquias europeias tinham sido transformadas pela Revolução Francesa e pelo avanço das ideias liberais. Não é possível entender a atuação de dom Pedro 1º sem levar em conta esses dois fatos: o pertencimento a uma dinastia do antigo regime e sua adesão ao constitucionalismo —que, desde a Independência dos Estados Unidos, predominava no debate político internacional.

Se pensarmos que o sucesso de alguém pode ser medido pela realização de seus ideais, podemos dizer que, diante de ideais tão contraditórios —a convicção de seu direito legítimo à sucessão portuguesa e o respeito às constituições—, o sucesso de dom Pedro foi absoluto. Deu ao Brasil e a Portugal constituições longevas e colocou sobre o trono desses dois países seus legítimos herdeiros.

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