Mulheres unidas no combate ao retrocesso
“Nunca se esqueça de que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados.” A frase de Simone de Beauvoir, de 1949, continua tão atual quanto perturbadora. A sociedade é permeada por estruturas machistas que moldam a percepção e o tratamento de homens e mulheres em diversas esferas.
O machismo estrutural está profundamente enraizado na forma como a sociedade espera que as mulheres se comportem. Nos espaços públicos, no ambiente corporativo ou em posições de liderança, as expectativas sobre o comportamento feminino são fortemente permeadas por estereótipos de gênero.
Estamos vivendo um retrocesso global gritante, onde a movimentação patriarcal e conservadora é evidente. As pautas retrógradas alimentam o ciclo tóxico do machismo, sufocando ainda mais os avanços na luta pela igualdade de gênero.
Dentre vários exemplos desse viés conservador, um deles é o aumento dos influenciadores digitais, incluindo muitas mulheres, que promovem papéis familiares tradicionais, pregando a submissão das mulheres e sugerindo que elas não devem trabalhar fora de casa, dependendo exclusivamente da renda e da boa vontade dos cônjuges na condição de “líderes” da família.
Essa visão é elitista e irresponsável, especialmente considerando que no Brasil a maioria dos domicílios no Brasil é conduzida por mulheres. Em pesquisa realizada pelo Dieese em 2023, dos 75 milhões de lares brasileiros, 50,8% têm liderança feminina —o que corresponde a 38,1 milhões de famílias sustentadas por mulheres que garantem seu próprio sustento e a criação dos filhos.
Aliás, essa pregação é misógina, uma vez que não há correspondente expectativa de que os homens sejam obrigados a sustentarem suas esposas em todas as suas necessidades, incluindo saúde, velhice ou em caso de divórcio após anos de dedicação exclusiva à família, e sem que estas tenham a possibilidade de sustento próprio. O que se propõe, portanto, é a submissão das mulheres, sem a contrapartida da responsabilidade masculina pelo cuidado e sobrevivência delas.
Se essa narrativa incoerente e irresponsável for seguida pela classe trabalhadora que não possui fontes de renda além do próprio trabalho, as mulheres voltam a uma posição de vulnerabilidade extrema, prejudicando não apenas seu próprio futuro, mas também o das próximas gerações.
Recentemente, o CEO de um conglomerado de educação expôs seu desrespeito ao declarar-se abertamente contrário às mulheres em cargos de liderança. Declarações como essa não são apenas inoportunas —são um retrocesso vergonhoso, alimentando a visão ultrapassada de que o lugar da mulher não é na liderança das empresas e limitando a liberdade de escolha dessas mulheres.
Episódios como esse despertam revolta e indignação, como deveriam, mas é fundamental que não permitamos que tais atitudes nos desanimem.
Citando a escritora Chimamanda Ngozi Adichie: “A pessoa mais qualificada para liderar não é a pessoa fisicamente mais forte. É a mais inteligente, a mais culta, a mais criativa, a mais inovadora. E não existem hormônios para esses atributos”.
No entanto, é essencial não permitir que esses posicionamentos abalem nossos desejos e objetivos. Não podemos deixar que a irritação nos controle, tampouco que nos afaste da luta pela igualdade.
E não devemos esquecer que existem muitos homens que caminham na direção oposta ao pensamento retrógrado e conservador, reconhecendo a importância de as mulheres ocuparem todos os espaços a que têm direito. Para estes homens, cabe o reconhecimento por terem percebido a importância de seu papel na implementação da igualdade de gênero, contribuindo para um futuro mais justo e equilibrado.
O retrocesso nos costumes oferece às famílias, mulheres e sociedade apenas um freio ao progresso e uma falsa sensação de segurança baseada em papéis ultrapassados. Na verdade, a manutenção desses padrões tradicionais não protege, mas sufoca o potencial de crescimento e inovação que a igualdade de oportunidades pode gerar.
Quando se impede que as mulheres assumam o controle de suas vidas, suas carreiras e seus corpos, o que está em jogo não é apenas a perda de oportunidades individuais, mas também o atraso no desenvolvimento social e econômico, no progresso da sociedade e na felicidade individual e coletiva.
O reforço de normas patriarcais por certos grupos não é coincidência. Em vez de enfrentar de maneira honesta a transformação que a inclusão feminina pode proporcionar, esses homens, conscientes ou não, buscam manter o statu quo.
Ao desacelerar o avanço das mulheres, eles preservam seus próprios privilégios, garantindo que a estrutura de poder, que historicamente os favorece, permaneça inalterada.
Então, a pergunta é: por que temer o foguete que são as mulheres, em vez de abastecê-lo? O crescimento de uma sociedade igualitária, onde mulheres e homens colaboram de maneira justa, não mina o progresso —pelo contrário, impulsiona-o. Essa resistência só revela o medo de perder privilégios arraigados e não a preocupação com o bem-estar coletivo.
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