domingo, outubro 6, 2024
Noticias

Colecionar cacarecos é uma forma de viajar no espaço-tempo

São muitas as dúvidas que atordoam a ciência. Da hipótese de Riemann às equações de Navier-Stokes, passando pela teoria da inflação cósmica e a conjectura de por que guardamos tanto araminhos de pão de forma, se na pressa de fechar um pacote acabamos usando um pregador de roupa.

No universo das infinitas banalidades cotidianas, outro mistério me orbita. Não fumo. Não bebo. Não brinco com a sorte, a menos que paciência e rouba-montinho caracterizem jogos de azar. Ainda assim, o que me leva a ter um kit jogatina de época completo, com coqueteleira, cinzeiro, porta baralho e fichas do antigo Cassino da Urca? A culpa é do Einstein.

Ao relativizar a viagem no tempo em direção ao futuro, o físico alemão —pelo que consta, colecionador suave de relógios— deu visibilidade científica àquilo que nós, da comunidade cacarequeira, já botávamos em prática faz tempo: a viagem em direção ao passado.

Encabeçada por tias-avós, sogros hobbistas, caçadores de relíquias e saudosistas em geral, é uma modalidade turística capaz de transportar qualquer pessoa a uma dimensão além das feirinhas de antiguidades e sites de leilão online.

Sem que vórtices espaço-temporais precisem ser abertos a cada esquina, numismatas amadores conhecem a emoção de quem já catava moedinhas na Lídia do século 7 a.C. Para filatelistas, um único selo Olho de Boi equivale a um tour completo pela corte de Pedro 2º.

Há um sem-número de destinos possíveis. Para onde-quando você quer ir? Egito antigo? Império Romano? A Bahia da chegada de Cabral? Se encontrar um bonequinho Mug num brechó, está garantido o ingresso para shows do Wilson Simonal e do Chico Buarque nos anos 1960.

Guardadas as proporções épicas e históricas, cada viajandão busca sua cápsula. Aventureiros triviais, porém, viajam para tempos mais próximos. Antes do cinema da infância ter virado farmácia. Da sorveteria com a melhor raspadinha de morango ter falido. Da casinha onde funcionava a escola ter dado lugar a um prédio espelhado feio.

Vamos, então, garimpando chaveiros, flâmulas e souvenirs que, diante do tamanho do universo, não ocupam qualquer massa-energia pelas paredes e mesinhas de centro. Em alguma dobra por aí, um crupiê da Urca gira uma roleta e a bolinha cai no meu número da sorte eternamente. O espaço-tempo somos nós.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

source

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com