domingo, outubro 6, 2024
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Imprensa dos EUA fracassa na cobertura da eleição

Em março de 2016, dois meses antes de Donald Trump garantir, nas eleições primárias, a candidatura republicana à Presidência, um número surpreendente foi calculado pela mediaQuant, especializada em monitorar gastos de candidatos em mídias. A empresa estimou que a campanha mal financiada do empresário nova-iorquino já tinha conseguido o equivalente a US$ 2 bilhões em exposição grátis na mídia americana.

Enquanto seus rivais pagavam caro por anúncios de TV e outras formas de publicidade digital, Trump era visto e ouvido várias vezes por dia, telefonando diretamente para canais de TV, estações de rádio, dando declarações bombásticas e tuitando descalabros que ganhavam atenção imediata, fazendo disparar o interesse do público por cobertura política. Como admitiu cinicamente, na época, o então CEO da rede CBS, “Trump pode ser ruim para o país, mas é bom demais para a CBS.”

O que a imprensa americana aprendeu com seu papel inegável na vitória de Trump há oito anos? Aparentemente pouco, a julgar por um momento, na terça-feira (24), em que a ex-presidente da Câmara Nancy Pelosi perdeu a paciência no ar.

A democrata estava sendo entrevistada na CNN —a rede que, em 2016, era dirigida por Jeff Zucker, o executivo inventor de Trump como estrela de reality show e que colocava o amigo pré-candidato no ar em qualquer programa ao vivo. O âncora Jake Tapper, um santarrão que posa de defensor da integridade jornalística, pediu à deputada que reagisse ao trecho de um comício de Trump, em que ele afirma que Kamala Harris “tem mais problemas cognitivos” do que o octogenário Joe Biden.

Pelosi disparou: “Por que você cobriria algo como isto? Ele é desonesto! (…) Não quero nem falar na bobagem de tudo isso.”

Tapper, sem graça, entregou o jogo: “Mostrei o vídeo porque ele é o candidato republicano.”

Políticos desonestos não são novidade, mas Trump sabe que compensa ser um troll completamente despregado da realidade. Enquanto escrevo, a CNN exibe ao vivo, sem edição, outro discurso recheado de afirmações delirantes. Órgãos tradicionais de imprensa como a CNN e o The New York Times acham que é seu papel reproduzir e dar oxigênio a mentiras “porque ele é o candidato.”

Em 1939, a manchete de uma reportagem na revista de domingo do The New York Times anunciava: “‘Herr’ Hitler em casa nas nuvens; no alto de sua montanha favorita, ele encontra tempo para a política, solidão e festas oficiais.”

É preciso contexto histórico para revisitar aquele período, mas o artigo é uma ilustração da falha moral da imprensa de língua inglesa em cobrir a ascensão do nazismo nos anos 1930, como documenta o livro “Berlim, 1933” publicado na França. O autor, Daniel Schneidermann, oferece uma crônica valiosa sobre repórteres cobrindo uma nova realidade política e enfileirando eventos, sem compreensão do regime que seria responsável pelo Holocausto.

Após a performance de Trump no debate com Kamala, um professor de psiquiatria clínica de uma faculdade de Nova York escreveu: “Se um paciente apresentasse a incoerência verbal, o pensamento tangencial e a fala repetitiva que Trump demonstra regularmente, eu certamente o enviaria para uma avaliação neuropsiquiátrica rigorosa.”

A imprensa política dos EUA, chocada pela vitória de Trump que facilitou e não previu, em 2016, parece desinteressada num autodiagnóstico.


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