domingo, outubro 6, 2024
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Ibram X. Kendi e as políticas racistas

Ibram X. Kendi é, sem dúvida, uma das maiores referências na luta antirracista contemporânea.

Seu trabalho tem gerado um impacto profundo nas discussões globais sobre raça, justiça e igualdade, reverberando não apenas nos Estados Unidos mas também em outras partes do mundo. Seu livro “Como Ser Antirracista”, publicado no Brasil pela editora Alta Cult, foi um marco na literatura antirracista nos Estados Unidos, permanecendo por meses na lista dos mais vendidos do The New York Times, e já foi traduzido para uma série de idiomas.

Embora seja seu livro mais conhecido, ele é autor de mais de uma dezena de obras, sendo que cinco delas alcançaram o topo da lista de best-sellers. Além disso, Kendi foi a pessoa mais jovem a receber o National Book Award, o prêmio literário mais prestigiado dos Estados Unidos.

Sua obra, especialmente seu compromisso com o antirracismo ativo, ressoa profundamente com o trabalho que desenvolvo. Foi a partir de “Como Ser Antirracista” que encontrei inspiração para escrever o “Pequeno Manual Antirracista”.

Por isso, foi com grande alegria que, na última semana, pude recebê-lo em Nova York, no início da turnê de lançamento do meu livro em inglês, “Where We Stand” (tradução de “Lugar de Fala”, pela Yale University Press), quando tivemos a oportunidade de dialogar sobre nossos trabalhos e as semelhanças das lutas antirracistas nos Estados Unidos e no Brasil.

Ibram apresenta como ideia central que não há neutralidade no antirracismo. Ou estamos combatendo ativamente as injustiças ou estamos perpetuando o problema. Mas, ao contrário de boa parte de seus colegas, Ibram não entende que o ato racista essencializa a pessoa como racista. Para ele, uma pessoa pode ser racista e antirracista ao mesmo tempo, sendo necessário um constante trabalho de conscientização e responsabilidade para abandonar as ideias racistas cada vez mais por completo.

Outro ponto de destaque de sua abordagem é seu uso do termo “políticas racistas” para se referir àquilo que, no Brasil, chamamos comumente de racismo estrutural ou institucional. Para Ibram, políticas racistas são sistemas e práticas que mantêm e reforçam as desigualdades raciais. Ele insiste na importância de popularizar esse termo para que se possa combatê-las de maneira prática e eficaz, através do voto e da cobrança de representantes eleitos e eleitas.

Uma de suas contribuições importantes é a explicação de que tais políticas racistas não afetam exclusivamente a população negra, embora esse grupo enfrente os maiores e mais históricos desafios. Uma política racista pode, por exemplo, impactar negativamente outras populações, como os homens brancos, em contextos específicos.

Um exemplo fornecido pelo autor são os crescentes índices de suicídio entre homens brancos nos EUA, que aumentaram concomitantemente à aprovação de leis que facilitam o acesso a armas de fogo –uma política que, embora voltada para o grupo branco, também tem efeitos devastadores.

Na nossa conversa, ficou evidente que as lutas estão interligadas entre os países. Ibram fala sobre o racismo nos Estados Unidos, mas suas palavras ecoam no Brasil. Essa solidariedade, vale dizer, é algo que precisa ser compreendido com maior intensidade por intelectuais do Norte Global, sobretudo os norte-americanos, que acabam influenciados pelo autocentrismo da política no país.

Ibram, ao romper com essa blindagem, soma à internacionalização da luta antirracista. Ele enfatiza a importância de construirmos solidariedade entre diferentes países, aprendendo uns com os outros e adaptando estratégias aos contextos locais. Não podemos lutar isoladamente. O racismo é um problema global e a resistência a ele precisa ser coletiva.

Uma das ideias poderosas que ecoou na nossa conversa é a importância de olharmos criticamente para a história. Não podemos tratar o racismo como algo do passado. Ele está presente em todas as estruturas sociais, políticas e econômicas, tanto nos Estados Unidos como no Brasil. A luta é contínua, e as marcas deixadas pela escravidão em nossas sociedades são profundas. Entender como essas marcas se manifestam hoje é crucial para qualquer transformação real.

O evento em Nova York marcou o início da minha turnê e proporcionou uma troca intelectual valiosa com Ibram. Saí desse encontro com a certeza de que, juntos e juntas, além de unir forças, podemos avançar na construção de pontes e entender a importância de uma visão transnacional.

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