domingo, outubro 6, 2024
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Identidade periférica passa a ser ativo político na corrida pela Prefeitura de São Paulo

A periferia nas campanhas eleitorais costumava aparecer apenas como um lugar carente de políticas públicas e inseguro. Nesta corrida pela Prefeitura de São Paulo, os territórios nos limites da cidade ganharam novo protagonismo. Candidatos de diferentes espectros reivindicam identidade ou articulação periférica.

O pertencimento tratado como estigma no passado parece ter se tornado um ativo político.

Tabata Amaral (PSB) cita, sempre que pode, ter nascido na Vila Missionária. Ricardo Nunes (MDB), que se apresenta como “cria da periferia” em propaganda, morou no Parque Santo Antônio e no Socorro. Guilherme Boulos (PSOL) mora no Campo Limpo há dez anos. Pablo Marçal (PRTB) vem de uma região periférica de Goiânia, em Goiás.

No seminário “Periferias nas eleições municipais”, promovido pela Folha em parceria com a Fundação Tide Setubal, na terça-feira (24), especialistas discutiram a disputa entre os campos de esquerda e direita por esses territórios e suas transformações.

A partir dos anos 2000, destaca Uvanderson Silva, coordenador de programas da Tide Setubal, espaços às margens das cidades começam a se projetar politicamente. O aumento do consumo, o acesso ao crédito e o surgimento de uma identidade periférica ligada à ascensão da classe C ajudaram a redefinir o imaginário do lugar.

“Hoje, há uma periferia tradicionalmente alinhada à agenda de esquerda e outra que começa a ser articulada pela direita, em torno da ideia de empreendedorismo”, afirma.

Em pesquisas com grupos focais que contemplaram moradores de periferias de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, a socióloga Andressa Oliveira mapeou discursos e traços políticos dos participantes. Ela notou a força da ideia meritocrática, de esforço individual.

Segundo a articuladora do Mulheres Negras Decidem, pautas tradicionais da esquerda, como políticas públicas, tendem a sofrer um esvaziamento. É quando o não político, o gestor e o coach ganham espaço. “Por esse discurso, se a pessoa não consegue acessar melhores empregos ou educação, não é uma falha do Estado, mas uma falta de esforço dela”, diz.

De acordo com Luciana Chong, diretora do instituto de pesquisas Datafolha, o voto, na eleição municipal, porém, está menos voltado para questões ideológicas e mais aos problemas do dia a dia. “As pessoas estão mais interessadas no que o candidato vai fazer por sua rua, seu bairro, o posto de saúde, a creche”, afirma.

Para o professor da Unifesp Tiaraju Pablo D’Andrea, as transformações nas periferias refletem mudanças na sociedade, como alterações no mundo do trabalho.

“As pessoas nas periferias consomem ideias que estão circulando na sociedade e as retraduzem a partir da sua precariedade. O pobre de direita não é uma novidade. Sempre teve quem votou no Paulo Maluf“, afirma.

O coordenador do Centro de Estudos Periféricos aponta a descrença no processo democrático como um dos fatores para a deriva política desses territórios. Diante da ausência de entregas que a democracia brasileira prometeu desde a redemocratização, nos anos 1980, a população olha para a participação pública com desencanto.

“Tem novos atores pensando e disputando a identidade periférica. Hoje, qualquer um canta rap dos Racionais, e de todos os espectros políticos”, diz Tiaraju.

O debate foi mediado pelo colunista da Folha Vinicius Torres Freire.

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