domingo, outubro 6, 2024
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Os rios escondidos de São Paulo

Os campos de São Paulo eram um crescente fértil. Havia água por todos os lados. O lugar era tão agradável e privilegiado pela natureza que os jesuítas encontraram o ponto perfeito para instalar sua capela numa colina situada no encontro de dois rios: o Anhangabaú e o Piratininga, antigo nome do Tamanduateí, que garantia acesso ao rio Tietê e ao interior.

A rede hidrográfica era visível e exuberante e permitia que os moradores da cidade circulassem por uma ampla região por via fluvial.

Essa situação perdurou por pelo menos 400 anos, mas a partir da primeira metade do século 20, os fundos de vale por onde os rios e córregos corriam começaram a ser asfixiados pelo concreto. Não se cogitou construir avenidas e ruas ao lado deles.

Possivelmente, o primeiro rio canalizado e tampado de São Paulo foi o Anhangabaú, em 1910, formado pelo córrego Saracura, o ribeirão do Itororó e o córrego Bixiga.

A visão da época – que perdura até hoje – era de escondê-los. Urbanistas com uma visão sanitarista passaram a ver os corpos d’água como um problema de saúde e passaram a tampá-los com o argumento de proteger a população. Também pesou nessa decisão o interesse em favorecer o transporte rodoviário.

O golpe inicial no encobrimento da rede hidrográfica paulistana foi dado pelo prefeito Prestes Maia, que governou a cidade em dois períodos, entre 1938 e 1945 e entre 1961 e 1965. Seu plano urbanístico, conhecido como Plano de Avenidas, previa a construção de vias rodoviárias onde corriam rios importantes da cidade.

Um dos casos mais conhecidos é o da avenida Nove de Julho, instalada sobe o Saracura, que foi canalizado e enterrado. Mas situações semelhantes aconteceram nas avenidas Radial Leste, Paulista, Santo Amaro, Tiradentes e 23 de Maio, construída sobre o córrego Itororó.

Depois de Prestes Maia, outros prefeitos seguiram o mesmo raciocínio, sempre com apoio da população, que passou a ver os rios como inimigos. Paulo Maluf, por exemplo, canalizou o córrego Aricanduva, o Ipiranga, o Água Espraiada e o Cabuçu de Baixo, entre outros.

Outro córrego importante que desapareceu parcialmente foi o do Sapateiro, que nasce na Vila Mariana, passa pela Vila Clementino, forma os lagos do Parque do Ibirapuera e segue embaixo da avenida Juscelino Kubitschek para desembocar no rio Pinheiros, outrora chamado de Jurubatuba.

Além da canalização, outra obra de engenharia feita nos grandes rios da cidade foi a retificação. Tanto o Tietê, como o Tamanduateí e o Pinheiros perderam suas curvas e suas várzeas, também para dar espaço para grandes avenidas.

“A existência dos rios é um realidade presente, não passada. Não é porque eles foram enterrados, que morreram”, diz o arquiteto e urbanista social José Bueno, coordenador do projeto Rios e Ruas. “Devemos mudar esse modelo mental disseminado de que os rios a céu aberto são um problema e destampá-los.”

Ele diz que foram cobertos entre 1.500 km e 4.000 km de rios na cidade nos últimos cem anos. O site Geosampa, da Prefeitura, informa que existem em São Paulo 287 microbacias hidrográficas, mas, segundo Bueno, esse número pode chegar a 600.

Pelo que se saiba, até hoje só um córrego da cidade foi “destampado”, o Pirarungaua, no Jardim Botânico. Ele foi canalizado em 1945 em uma galeria de 300 metros de comprimento, sob uma alameda, e permaneceu nessa situação por quase 70 anos. Em 2008, voltou a ficar a céu aberto

Em nome do desenvolvimento urbano, a expansão da malha viária sobre os rios impermeabilizou o solo e acabou contribuindo para os problemas de enchentes. Além disso, o que outrora foi um lugar aprazível virou uma selva de pedra. “A situação é dramática e São Paulo precisa se reidratar”, diz Bueno.


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