domingo, outubro 6, 2024
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Brasil não tem política de tolerância zero contra fogo

A maioria absoluta dos incêndios que atingem o Brasil tem origem humana. Para cientistas ouvidos pela Folha, causas naturais, como raios, são insignificantes.

A ministra Marina Silva fala em “terrorismo climático” para explicar a epidemia e lembra o “dia do fogo”, em agosto de 2019. Na época, havia indícios concretos da ação organizada de fazendeiros que, inspirados na figura repugnante do presidente Bolsonaro, protestavam contra licenças e autuações ambientais ateando fogo no Pará, movimento criminosamente não investigado pela Polícia Federal.

Até agora, a PF não apresentou o enredo e os personagens do terrorismo atual.

A seca é severa, o calor é intenso e, entre as causas humanas, além do vandalismo, também se deve cogitar os “descuidos” –desde a bituca de cigarro lançada irresponsavelmente na beira de estrada até a inoperância de empresas de energia que não zelam pela integridade da fiação em território rural e urbano.

O incêndio que, em junho, durante uma semana, consumiu cerca de 300 hectares do Parque Nacional do Itatiaia começou onde cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras faziam treinamento de montanhismo.

A ministra afirma que “há uma proibição do uso do fogo em todo o território nacional”. Não é bem assim. O Brasil ainda namora o fogo.

A emergência climática não é novidade e, diferentemente de uma estratégia de tolerância zero, como era de se esperar, o presidente Lula sancionou, em julho, a lei 14.944/24 que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.

Há brechas jurídicas que merecem reflexão. O objetivo central do texto é prevenir a ocorrência e reduzir danos de incêndios florestais. Mas entre os princípios ainda estão o “reconhecimento do papel ecológico do fogo nos ecossistemas” e o “respeito aos saberes e às práticas de uso tradicional do fogo”.

Em vez de combater com intransigência a cultura do fogo, presente no interior do país e invariavelmente perigosa, fala em “fomentar” o seu uso por povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Permite utilização do fogo por “agricultores familiares”, conforme os “costumes”, e no corte da cana-de-açúcar, “como método despalhador e facilitador, em áreas que não sejam passíveis de mecanização”, em vez de simplesmente inviabilizar o plantio nesses locais.

Tem impunidade. O crime de incêndio (Código Penal) depende de perigo concreto e efetivo para vida, integridade física ou patrimônio para se configurar. Juízes, também formados na cultura do fogo, constroem uma jurisprudência complacente.

O crime ambiental de “provocar incêndio em floresta e em demais formas de vegetação” na modalidade culposa é de “menor potencial ofensivo”.

O fogo continua sendo visto como forma rápida e barata de limpar a terra, eliminar lixo, reduzir pragas, gerar nutrientes.

O governo pacifista de Lula quer, com recursos do BNDES, incrementar a poderosa e inconveniente indústria bélica brasileira. Pretende adquirir tanques de guerra, mas, aparentemente, o país precisa de recursos e tecnologia para a produção de equipamentos e veículos próprios para outro tipo de combate, o dos incêndios florestais e do desmatamento.

É preciso investimento, inteligência, conscientização, vontade política.


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