domingo, outubro 6, 2024
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Inteligência artificial às vésperas das eleições

A discussão sobre o uso de inteligência artificial (IA) nas campanhas eleitorais tem sido destaque. Com cerca de 4,2 bilhões de eleitores conectados globalmente, segundo a Unesco, e mais de 58,4% da população mundial ativa em redes sociais, a IA se revela tanto como uma poderosa ferramenta de engajamento quanto um potencial vetor de desinformação.

A técnica de “microtargeting”, que utiliza grandes volumes de dados para segmentar o eleitorado e criar mensagens personalizadas, deve ser encarada com cautela. Embora eficaz em alcançar eleitores específicos, essa abordagem também facilita a disseminação de informações falsas. Dados do Poynter Institute mostram que informações enganosas circulam 70% mais rápido do que as verdadeiras, gerando um cenário preocupante para a integridade do processo eleitoral.

A condenação do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR), que foi cassado por disseminar notícias falsas sobre o sistema eletrônico de votação, é um marco histórico que evidencia os perigos da manipulação da informação para a confiança nas instituições democráticas.

Em resposta a essas preocupações, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) implementou a resolução 23.732/24, que busca regulamentar o uso da IA nas campanhas. Essa norma proíbe o uso de deepfake tecnologia que pode criar conteúdos manipulativos— e exige que todos os materiais gerados ou alterados por IA sejam devidamente identificados.

O efeito dissuasivo da resolução pode ser observado no número de processos judiciais relacionados ao uso irregular de IA. Nos primeiros seis meses de 2024, a Justiça Eleitoral analisou as 43 ações que tramitam no país inteiro sobre o uso de IA na pré-campanha. Em 14 dos casos (32%), o uso da tecnologia foi considerado irregular, conforme um levantamento realizado pela Aos Fatos em parceria com o ICL Notícias e o Clip, o Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística.

A Justiça Eleitoral também tem sido rápida e combativa. Num dos casos, ela determinou que o candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB), apagasse uma publicação no Instagram dele por propaganda eleitoral com uso de deepfake —técnica de inteligência artificial que pode substituir um rosto por outro. O uso foi vetado pelo TSE nas eleições deste ano. A postagem trazia uma montagem com os rostos do presidente Lula (PT) e de Guilherme Boulos (PSOL) em corpos de outras pessoas.

Por outro lado, a Polícia Federal prendeu quatro pessoas no Rio de Janeiro por espalharem desinformação em panfletos em pontos de ônibus, demonstrando um retorno a métodos analógicos de disseminação de fake news, em meio ao cerco à desinformação e ao mau uso da tecnologia no debate público eleitoral.

O Tribunal Regional Eleitoral de Goiás também anunciou a implementação de uma ferramenta inovadora para detectar e mitigar fake news, destacando a proatividade do TRE em preservar a integridade do processo eleitoral. Essa iniciativa, embora promissora, requer atenção contínua e aprimoramento constante.

Mas tudo é resultado de um esforço constante do Tribunal Superior Eleitoral desde 2009, com a primeira lei sobre internet e eleições no Brasil. A lei 12.034/2009 é um marco importante nesse contexto. Pois mesmo antes da Lei do Marco Civil e da Lei de Invasão de Dispositivos Digitais, o TSE já atuava para regulamentar o uso da tecnologia no processo eleitoral. E por comando do artigo 57-J, da lei 13.488/17, o TSE recebeu um “superpoder”, de acordo com o professor Diogo Rais, para legislar sobre o tema diante da rapidez e complexidade tecnológica.

Assim, desde 2009 o TSE dita as regras sobre internet e eleições. Sim, pouca gente se atentou, mas há um código eleitoral digital com mais de cem dispositivos atualmente. Na última semana, somou-se a ele a novíssima resolução do TSE proibindo apostas sobre resultados das eleições, o que reforça a posição firme da corte contra a desinformação e a manipulação dos eleitores.

Diante desse cenário, a Justiça Eleitoral enfrenta o desafio de equilibrar a inovação trazida pela IA com a proteção dos princípios democráticos. Mas ela não é a boa de prata. A educação do eleitor se torna essencial, pois é crucial que os cidadãos desenvolvam habilidades críticas para navegar em um mar de informações.

As eleições de 2024 não representam apenas uma oportunidade de escolher representantes, mas também um teste da capacidade coletiva da sociedade de discernir a verdade em um ambiente repleto de incertezas. Portanto, cabe a cada um participar ativamente dessa discussão, exigindo clareza e responsabilidade no uso da tecnologia nas campanhas.

A democracia brasileira depende do engajamento do eleitor. Com um compromisso compartilhado em prol da verdade e da transparência, as eleições têm mais chances de refletir a vontade popular e fortalecer as bases da democracia.

TENDÊNCIAS / DEBATES

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