domingo, outubro 6, 2024
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Menos regressividade, mais crescimento

A crise de confiança em torno do equilíbrio fiscal que o governo Lula enfrenta desde abril tem uma solução: cortar gastos tributários. A repórter Adriana Fernandes informou nesta Folha que o governo encaminhou ao Congresso, como informação complementar ao Ploa (Projeto de Lei Orçamentária), que irá abrir mão de arrecadar R$ 543,7 bilhões em 2025 com a concessão de benefícios tributários a empresas e pessoas físicas. Isso representa 4,4% do PIB (Produto Interno Bruto) e 19,7% de todos os impostos e contribuições que a Receita Federal espera arrecadar no ano que vem. Dinheiro gasto, na maioria das vezes, sem mérito, métrica ou transparência. Aqui cabe um ajuste fiscal.

Esta mesma Folha revelou um estudo da Receita Federal de 2019 que recomendava a redução do gasto tributário brasileiro a 2% do PIB, cortando, gradualmente, ano a ano, as isenções fiscais em R$ 50 bilhões. Isto feito seria uma ótima notícia para a economia e para as expectativas do mercado financeiro.

A essa nota da Receita Federal pode-se somar um trabalho em andamento dos pesquisadores da FGV Manoel Pires e Paolo de Renzio que reunirá informações sobre renúncias fiscais em nível estadual e federal. O estudo será lançado em novembro durante o T20, reunião de institutos de pesquisa por ocasião do G20 no Rio de Janeiro. O projeto integrará um comparativo internacional chamado Global Tax Expenditures Database (GTED), uma iniciativa do Council on Economic Policies (CEP) e do German Institute of Development and Sustainability (Idos). O objetivo é identificar problemas de transparência, governança e fiscalização. Daí vai surgir um verdadeiro mapa da mina.

Se por um lado damos isenções a torto e a direito para quem tem mais lobby, por outro lado deixamos de cobrar imposto de quem deveria pagar. Se você acha que paga muito imposto sobre a sua renda, você tem mais de 99% de chance de estar certo.

Em estudo de 2014 de Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair a partir de Declarações do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF), da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e do Sistema de Contas Nacionais (SCN, 2013), demonstra-se que a partir do 0,5% mais rico há uma regressividade no sistema tributário. Quanto mais rico, menos impostos proporcionalmente. Além de deixar dinheiro na mesa, a regressividade tributária cria ineficiências alocativas que atrapalham o crescimento —que nos últimos 40 anos foi, em média, 0,9% per capita, por ano. Um fracasso.

A atual reforma tributária sobre o consumo tem que ser logo regulamentada no Congresso, pois é um feito de economia política comparável ao Plano Real, 30 anos depois. Pelo visto, precisamos acreditar em milagres e devemos ir além, reformando também os impostos sobre renda e patrimônio. As prioridades devem ser os regimes de Lucro Presumido e o Simples Nacional. Quanto ao regime de Lucro Real, é necessário baixar a alíquota máxima de 34% e permitir a volta da tributação sobre lucros e dividendos.

Outra reportagem recente deste jornal chamou a atenção para os “milionários do Simples”: os 2% de brasileiros que concentram 20% de todos os dividendos desse regime especial de Imposto de Renda. Os dados analisados por Sérgio Gobetti, a partir de informações da Receita Federal tendo como ano-base 2022, mostram que, dos 2,2 milhões de brasileiros que declararam ter recebido dividendos pelo Simples, apenas 38,4 mil deles receberam um total de R$ 46 bilhões —subtributados. São pessoas com uma renda individual média de R$ 1,5 milhão, considerando este e outros rendimentos declarados. Gente muito rica para o padrão brasileiro e que está pagando muito menos imposto do que outras pessoas que recebem salários e renda via CLT, Lucro Real ou Lucro Presumido. Isso se chama “desigualdade horizontal”, fere o princípio republicano de isonomia no tratamento a todos os cidadãos e, em parte, explica a regressividade no topo da pirâmide.

Os dados que estão aí formam consensos entre economistas. Precisamos avançar sobre os impostos de renda e patrimônio para garantir maior crescimento econômico no Brasil, reduzindo a regressividade no sistema tributário e garantindo mais riqueza para todos.

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