domingo, outubro 6, 2024
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Quem são os inimigos da universidade brasileira?

A universidade pública brasileira está sob ataque. Ao contrário do que argumentam alguns de seus professores, as ações de movimentos sociais de esquerda, sobretudo em torno das questões de raça e gênero, não são em nada equivalentes aos ataques da extrema direita. Confundir esses dois fenômenos não é apenas um erro analítico, mas também uma forma de minimizar o real perigo que o acirramento dos ataques da extrema direita representa para a universidade.

Como mostra o lançamento do documentário “Unitopia”, da produtora de extrema direita Brasil Paralelo, a violência direitista visa destruir a universidade como lugar do pensamento crítico. Já os movimentos sociais de esquerda buscam aprimorar o caráter público e inclusivo da educação universitária, contribuindo para o combate às opressões estruturais que assolam a nossa sociedade.

Produtos de uma sociedade atravessada por essas opressões e pelas relações hierárquicas que as originam, as universidades têm feito muito pouco para acolher vítimas e oferecer respostas às legítimas denúncias de racismo, LGBTfobia, assédio moral e sexual. Diante desse cenário, os movimentos sociais de esquerda apenas reagem a processos históricos e estruturais de opressão. Sua principal ferramenta dispõe de uma longa tradição em contextos de omissão institucional: a ação direta, por meio de denúncias públicas, escrachos etc. São essas iniciativas que nos dão a oportunidade de discutir o assunto com a atenção e a seriedade devidas.

Muitos dos professores que se escandalizam com essas ações diretas se calam frente à omissão institucional no tratamento das denúncias. Ao destacarem os poucos casos de reações desproporcionais dos movimentos sociais, esses professores acabam fornecendo um escudo para aqueles que utilizam sua posição para cometer abusos com impunidade. Esses críticos fecham os olhos para um problema muito mais grave: a subnotificação de casos variados de opressão, quase sempre em função do medo dos estudantes em relação à autoridade e ao poder dos docentes.

Uma resposta adequada às ações diretas não pode partir nem da negação dos casos de opressão e assédio nem da criminalização das demandas e ações legítimas dos movimentos sociais de esquerda. O que compete às universidades, de forma urgente, é a criação de protocolos e instâncias específicas para tratar das denúncias. Tais instrumentos devem partir do acolhimento de denunciantes, oferecendo canais de suporte emocional e acadêmico, além de garantir apurações transparentes, amplo direito de defesa e decisões em um prazo razoável. Ainda que os professores que cometem abusos ou assediam estudantes constituam uma reduzida minoria do quadro docente, as universidades precisam demonstrar que tal comportamento não será tolerado.

Os críticos que exigem respeito dos movimentos sociais aos professores esquecem a lição de Paulo Freire de que a autoridade docente emana de uma relação pedagógica marcada pela liberdade. Portanto, essa autoridade jamais pode significar a submissão dos estudantes ao arbítrio docente. Só é possível pensar o respeito aos professores em conexão com o respeito a todas e todos envolvidos no contexto educacional.

Estudantes e movimentos sociais de esquerda não são ameaças aos professores. Ao contrário, são companheiros históricos na defesa das universidades. Uma luta não apenas contra os ataques da extrema direita, mas também contra outros protagonistas da precarização da estrutura universitária, como o subfinanciamento e a lógica produtivista. As cotas são conquistas dessa luta, tendo revigorado a universidade. Agora, seria imperdoável virar as costas a esses mesmos movimentos. O tratamento democrático de suas reivindicações, sem deslegitimação, nem paternalismo, constitui a melhor forma de respeitar e defender a universidade pública brasileira.

TENDÊNCIAS / DEBATES

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