domingo, outubro 6, 2024
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Mudança climática e pobreza energética

Numa era de uso generalizado dos eletrodomésticos, o fogão a lenha ainda persiste para cozinhar alimentos em famílias de baixa renda, particularmente na zona rural e com maior presença nas regiões Norte e Nordeste. Além da necessidade de acesso legítimo a facilidades da vida moderna, o emprego desse meio aponta para uma grave questão de saúde pública, que prejudica sobretudo mulheres e crianças.

A inalação repetida da fumaça resultante, ao longo dos anos, contribui para o surgimento de doenças respiratórias, cardíacas e mesmo câncer no pulmão, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Recentemente, a instituição estimou que a poluição do ar doméstico foi responsável por cerca de 3,2 milhões de mortes por ano em 2020 em todo o mundo, incluindo mais de 237 mil mortes de crianças menores de cinco anos.

Para proteger as famílias, portanto, exige-se universalizar o uso de combustíveis e tecnologias não poluentes como gás de cozinha (GLP), biogás, gás natural, eletricidade e etanol. É o que o Brasil está fazendo com a Política Nacional de Promoção do Cozimento Limpo, em alinhamento com seu papel de líder global da transição energética justa, inclusiva e equilibrada.

O alcance é bastante significativo. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), referentes a 2022, revelam que 6,7% da população brasileira ainda usa biomassa, principalmente lenha e outras formas inadequadas para preparar refeições. Isso representa cerca de 14 milhões de pessoas, em 4,9 milhões de famílias de baixa renda.

O acesso ao cozimento limpo é um dos principais temas em debate em Foz do Iguaçu (PR) nesta semana, onde se realiza reunião de ministros do mundo todo no Grupo de Trabalho de Transições Energéticas do G20, fórum internacional que congrega as 20 maiores economias do mundo, incluindo países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Nos países do Sul Global, o problema também está presente, com o emprego de fogões alimentados por lenha, carvão ou querosene, entre outros. Em 2024, ano da presidência brasileira do G20, o Grupo de Trabalho, sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia e o Itamaraty, elegeu esse tema como uma das prioridades dentro das discussões sobre transição energética.

Colocar em prática soluções para combater esse tipo de poluição se relaciona diretamente aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, que estipulam a necessidade de energia limpa e para todos. Como desdobramento, busca-se ampliar “o acesso a combustíveis e tecnologias limpas para o atendimento à demanda de serviços de energia para cocção, aquecimento e iluminação”.

O favorecimento ao cozimento limpo contribui também para a redução de persistentes chagas brasileiras —as desigualdades sociais e regionais. Estudos mostram que, quanto menor a renda, maior é o consumo de lenha pelas famílias brasileiras. Enquanto o Distrito Federal tem 99,8% da população com acesso a tecnologias limpas para cozinhar, o Maranhão possui apenas 75,3%.

A nova política pública tem dois programas básicos: Gás para Todos e Cozinhas Mais Verdes. O primeiro se encarrega de conceder descontos de até 100% nos botijões de GLP, com o potencial para atender mais de 20 milhões de famílias, pertencentes ao Cadastro Único, com renda de até meio salário mínimo por pessoa. O outro busca tornar as cozinhas independentes ao gerarem com seus resíduos o biogás que será usado para o cozimento limpo, além de reduzir a pegada de carbono dessa atividade.

Há também articulação com outros programas de governo, como o programa Cozinhas Solidárias, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) para aprimorar a gestão dos dados para cozimento limpo via CadÚnico e apoiar a instalação de projetos-pilotos de biodigestores em unidades instaladas nas diferentes regiões do país.

Colocar o foco em iniciativas como a promoção do cozimento limpo faz parte da maneira como o Brasil encara o enfrentamento das mudança climática. Não pode haver transição energética sem combate à pobreza energética, expressão que se refere à ausência de acesso aos serviços modernos do setor por pessoas ou grupos. Isso significa levar dignidade para os lares mais carentes dos benefícios do desenvolvimento econômico e dos serviços prestados pelo setor público.

TENDÊNCIAS / DEBATES

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