sábado, outubro 5, 2024
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O primeiro arranha-céu de São Paulo completa 100 anos e faz pensar na cidade do futuro

O edifício Sampaio Moreira está fincado na Líbero Badaró desde 1924, com seus orgulhosos 12 andares de altura. Lá em cima, do terraço com pérgola e chão quadriculado, é possível vislumbrar o Vale do Anhangabaú. No nível da rua, a porta pesada fica ao lado do toldo azul da Casa Godinho que abriga, desde a inauguração, embutidos, peças de bacalhau e, claro, as empadas que justificam seu tombamento.

Não é trivial ter um edifício de 100 anos lindo, vivo e funcionando. Sua história se mistura com a própria cidade e faz pensar no futuro.

No começo da década de 1920, São Paulo tinha 600 mil habitantes e estava a caminho de se tornar a maior cidade do Brasil. O progresso econômico, cultural e social punham em marcha a expansão espacial, mas o desenvolvimento urbano nesses cem anos caminhou aos tropeços.

O Sampaio Moreira só pôde existir graças a um jeitinho. A urbanista Nadia Somekh conta a história em seu livro “A Cidade Vertical e o Urbanismo Modernizador”: o autor do projeto, Christiano Stockler das Neves, conseguiu convencer a Prefeitura a autorizar uma altura maior do que o permitido. A brecha na legislação também ajudou a aprovar o Martinelli que assumiu o posto de mais alto da cidade em 1929 e abriu caminho para alterações e exceções em leis que vieram depois.

A relação entre o poder público e o privado também está presente na história. O capital privado que construiu a maior parte da cidade de São Paulo não manteve o edifício. O tombamento de 1992 foi seguido por uma reforma e desapropriação. Hoje, é ocupado pela Secretaria Municipal de Cultura.

A cidade se expandiu, sua população se multiplicou por 20, acomodamos migrantes e filhos de migrantes, surgiram novas centralidades, o centro perdeu importância, vieram as periferias e as favelas, os serviços substituíram a indústria como motor econômico, mas nossas contradições sempre nos assombraram. Entre a Faria Lima e Heliópolis, a representação política e os interesses sociais nunca andaram de mãos dadas, como, aliás, ficou explícito nas escandalosas aprovações das revisões de 2023 e 2024 do Plano Diretor e do Zoneamento.

No fundo, talvez estejamos continuamente em busca de uma identidade coletiva, ou uma paulistanidade, como chama o jornalista Jorge Gomes Guimarães. É uma espécie de teto comum que ajudaria pessoas tão diferentes a se sentirem moradores da mesma casa, paradoxalmente e necessariamente mantendo suas individualidades cada vez mais fortes.

A cidade daqui a 100 anos está longe demais até para ser pensada. Mas, quando sua própria existência está ameaçada pela crise hídrica ou pelo crime organizado, a construção de um projeto comum é um dos caminhos para garantir que nossos bisnetos possam sentir orgulho do que fizemos hoje, de quem votamos amanhã e do que deixaremos para eles. Os paredões de estacionamento em prédios gigantescos, as avenidas grotescas, os minhocões, os túneis desnecessários e os paquidermes anti-urbanidade certamente não serão reverenciados.


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