domingo, outubro 6, 2024
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Nunes troca Bolsonaro por Tarcísio e vê Marçal ameaçar plano de reeleição contra a esquerda

Ricardo Nunes (MDB) e seu fiel escudeiro na campanha, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), deram uma pausa na caminhada pelo comércio de Itaquera, na zona leste, para comer um pastel de queijo. “Isso aqui era domínio do PT“, comentou o prefeito, acrescentando que a região havia mudado de cor. Agora era azul.

Quatro dias depois, no programa Roda Viva, no dia 9 de setembro, Nunes narrou a mesma cena com um detalhe diferente. Contou que a área vermelha se transformara em verde-amarela.

A óbvia isca para o eleitor de Jair Bolsonaro (PL) foi em vão. O código que a direita conservadora pegou na eleição para a Prefeitura de São Paulo foi o de Pablo Marçal (PRTB).

A confusão com as cores foi o de menos na crise de identidade que permeou a campanha do prefeito, que tenta, ao mesmo tempo, ser o herdeiro de centro do tucanato e o representante do bolsonarismo.

O dilema maior é ser o candidato que hoje derrotaria os rivais no segundo turno, mas corre o risco de não passar do primeiro. Na véspera da eleição, ele tem 26% dos votos válidos, em um empate triplo com Marçal, com 26%, e Guilherme Boulos (PSOL), 29%, na pesquisa Datafolha.

Ricardo Nunes era vice e virou prefeito quando Bruno Covas (PSDB) morreu em maio de 2021. Para além da primeira disputa majoritária como cabeça de chapa, o emedebista que foi vereador por dois mandatos não expõe grandes planos futuros na política.

O capital que está em jogo é o do seu fiador Tarcísio, possível presidenciável em 2026, embora mire, preferencialmente, uma reeleição tranquila para o Palácio dos Bandeirantes. O governador foi a cola que uniu Bolsonaro e 12 partidos em volta de Nunes, pregando a tese de que a direita, sozinha, não venceria na capital paulista, onde Lula (PT) superou o ex-presidente em 2022.

O próprio Bolsonaro, cuja participação foi indicar o vice da chapa, o ex-Rota Ricardo Mello Araújo (PL), não estava certo disso. Ainda no início de setembro, aconselhou Tarcísio a fazer o mesmo que ele —declarar seu apoio protocolar e lavar as mãos.

Semanas antes, Marçal já havia ultrapassado Nunes numericamente, e o embolo nas primeiras posições alimentou a tensão até o final.

Tarcísio não ouviu o padrinho. Pelo contrário, viajou para encontrá-lo em Brasília, Guarulhos e até no Vale do Ribeira com o mesmo pedido de mais engajamento.

Somente na quinta (4), Bolsonaro foi mais incisivo contra Marçal, a quem chamou de idiota e acusou de dividir a direita em sua live. Também fez declarações a favor de Nunes ao estilo dele: “Se tiver alguma dificuldade, faz assim [tapa os olhos] e vota 15”.

Já o governador não apenas percorreu a cidade em campanha com Nunes, mas fechou sua agenda nos dias que antecederam este primeiro turno para estar com o prefeito até na preparação do debate da TV Globo.

“Eu mergulhei de cabeça quando muita gente me contraindicou. Sabe por que eu mergulhei de cabeça? Porque era o correto a se fazer e o melhor para São Paulo”, disse o governador na terça (1º). Ouviu de volta que era “o sujeito mais homem” que Nunes conheceu na política.

Naquele ato, Tarcísio apelou ao voto útil, já que Boulos venceria Marçal no segundo turno: “A gente tem que arregaçar a manga e partir para cima. Cadê as tias do zap aqui? […] Está na hora de ir para o WhatsApp”, afirmou.

O script pensado pelo MDB para a reeleição de Nunes não contava com um influenciador franco-atirador cujo negócio nas redes desafia até a Justiça Eleitoral.

Emedebista desde os 18 anos, Nunes afirmou ao longo da campanha que seu objetivo era unir o centro à direita para derrotar a extrema esquerda de Boulos, a quem chamou de invasor e vagabundo.

Último azul atropelado pelo verde-amarelo em São Paulo, o ex-governador Rodrigo Garcia, coordenador do plano de governo de Nunes, foi quem o aconselhou a amarrar o apoio formal do PL de Bolsonaro desde a pré-campanha para evitar destino semelhante.

E foi assim que compartilharam a mesa Valdemar Costa Neto (PL), Gilberto Kassab (PSD), Ciro Nogueira (PP), Baleia Rossi (MDB), Paulinho da Força (Solidariedade), Marcos Pereira (Republicanos) e Renata Abreu (Podemos), além de dois ex-presidentes, Bolsonaro e Michel Temer (MDB).

A tal frente ampla, porém, foi o pano de fundo para o racha interno entre emedebistas e bolsonaristas, que discordavam em cor e tática.

Só quando o horário eleitoral começou, em 30 de agosto, o prefeito “cria da periferia” viveu a campanha que idealizou. Com domínio de 65% do tempo de TV e R$ 44 milhões do fundo eleitoral, buscou se credenciar pela gestão —recorde de investimentos, faixa azul, tarifa zero aos domingos, vaga de creche e asfalto novo.

No nanico PRTB, o antissistema Marçal sumiu.

O marqueteiro Duda Lima jogou apenas pitadas de Bolsonaro na TV, para evitar sua alta rejeição e a polarização nacional pretendida por Boulos, o candidato de Lula. Ao mesmo tempo, o ex-presidente resistiu a frear Marçal para não se indispor com seu próprio eleitorado.

O MDB manteve a estratégia até o fim, ainda que Marçal tenha obrigado certas viradas à direita. No 7 de Setembro bolsonarista contra o ministro Alexandre de Moraes, Nunes subiu no trio do ex-presidente, mas não teve o nome anunciado. Afastado da beirada, não foi visto e nem viu o autodenominado ex-coach, lá embaixo, chegar atrasado e cair nos braços do povo na avenida Paulista.

Incumbente, Nunes esteve no alvo não só de Marçal, mas também de Boulos, Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB), que não deixaram morrer casos como o boletim de ocorrência da esposa do prefeito contra ele, revelado pela Folha, e a máfia das creches. Ele teve que explicar ainda suspeitas de corrupção em obras sem licitação e a infiltração do PCC nos contratos de ônibus.

Nunes respondeu com negacionismo. Negou a deterioração do centro e da qualidade da educação. Negou que o BO existisse e voltou atrás.

Enfim, para horror dos azuis e alívio dos verde-amarelos, disse ter errado na obrigatoriedade da vacina e em medidas de isolamento, contrariando sua atitude como prefeito na pandemia de Covid. Com o risco de não ir para o segundo turno, Nunes apelou, na sexta (4), a outro tipo de imunização.

“A grande lição para essa campanha, e as pessoas estão percebendo isso, é que não é aceitável haver mentiras, agressão e propostas que não são possíveis”, disse em ato na periferia da zona sul.

Em seguida, cobrou “vacina para as pessoas não serem enganadas, porque isso enfraquece a democracia”. Neste domingo, as urnas vão dizer qual porcentagem da população foi vacinada.

A campanha de Nunes em 5 momentos

1. Apoio de Bolsonaro

O ex-presidente tomou esse passo em janeiro, quando indicou, em uma live, que queria Ricardo Mello Araújo (PL) como vice de Ricardo Nunes (MDB). O apoio, porém, foi vacilante. Bolsonaro chegou a elogiar Marçal e dizer que Nunes não era “o candidato dos sonhos”

2. Vice definido

Em junho, coube ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciar que Mello Araújo seria de fato o vice. O ex-chefe da Rota não era o nome favorito da coligação, mas a concessão de Nunes a Bolsonaro foi necessária depois que Marçal entrou na corrida e ascendeu no eleitorado da direita

3. Ameaça de Marçal

Em agosto, Marçal encostou em Nunes e Boulos nas pesquisas e se tornou uma ameaça para o prefeito na direita. Em resposta, Nunes vestiu a camisa verde e amarela e participou discretamente do ato de 7 de Setembro contra Alexandre de Moraes, na avenida Paulista. Marçal também compareceu e foi ovacionado

4. Bolsonaro no telão

Em um dos poucos momentos de alívio na campanha de Nunes, Bolsonaro apareceu em ligação de vídeo no telão e reforçou seu apoio durante um jantar em homenagem ao emedebista. Isso aconteceu em 12 de setembro, mesmo dia em que o prefeito despontou à frente no Datafolha e ultrapassou Marçal

5. Flerte com negacionismo

Em meados de setembro, ainda pressionado por Marçal nas pesquisas, Nunes deu entrevistas a canais bolsonaristas e disse ter se arrependido da obrigatoriedade da vacina e do fechamento do comércio na pandemia

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