segunda-feira, outubro 7, 2024
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Distância de 124 anos me separam do meu primeiro crush, Álvares de Azevedo

Se tem uma coisa que os livros me ensinaram, é que não é de bom tom se apaixonar por um personagem antes de descobrir se ele é seu parente. A menos, claro, que esse tipo de tragédia familiar renda uma obra-prima como “Os Maias”.

Em termos práticos, porém, ignorando completamente os fatores “genialidade” e “realismo”, o que me impede de dar um mau passo do gênero ultrarromântico é a distância de 124 anos —e pelo menos quatro galhos de árvore genealógica— entre mim e meu primeiro crush da vida: o poeta Álvares de Azevedo.

Neto de um tal Domingos, filho de um certo Ignácio, Maneco Antônio também era sobrinho do Barão de Itapacorá. Quem??? Pois então. Para minha surpresa, de acordo com um site colaborativo de genealogia, meu tataravô.

Na época da escola, a pré-adolegótica que fui não tinha qualquer noção desse vínculo com o Lorde Byron brasileiro. Os laços que me uniam ao célebre e tuberculoso escritor eram de sangue, sim, só que pelo viés dramático de lencinhos manchados pelo escarlate do mal do século.

Romantismo enquanto doença: quem nunca? Na lira dos meus 12 anos, esse era o sentimento que transbordava das páginas das antologias às da minha agenda, grossa de recortes da revista Capricho e de versos cunhados por aquela pena imortal, mas copiados por uma caneta cor-de-rosa com cheirinho de melancia. O dicionário Aurélio auxiliando nas palavras mais difíceis: “Que sol! Que céu azul! Que doce n’alva/ Acorda a natureza mais louçã!/ Não me batera tanto amor no peito,/ se eu morresse amanhã!”.

Inebriada por lamentos sempre à beira da sepultura, tinha para mim que o jovem finado era tão casto e BV (“boca virgem”, segundo jargão literário teen do século 20 pra cá) quanto eu. Alheia a galantes boyzinhos em tom de cenoura e bronze, eu empalidecia de paixão sob o guarda-sol da praia, lendo titio tísico afirmar que “a vida é noite!” num match mórbido e perfeito de almas.

Hoje, mais corada e vivaz, ainda que na aurora da meia-idade, não nos considero tão afins. Em se tratando de escrita, sinto até pudor em nos dizer aparentados. O único fiapo de DNA que nos une aparece numa anotação singela em seu brilhante histórico escolar. “É sem dúvida a criança de mais bela esperança do colégio, exceto em ginástica —em que é o último”. Quem diria, titio: sangue não é água.


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