Marçal ainda está no jogo
A repórter especial Anna Virgínia Balloussier acompanha o campo evangélico há mais de dez anos e, na última sexta-feira (4), presenciou algo inesperado: o pastor Silas Malafaia, principal figura do bolsonarismo entre os evangélicos, saiu em defesa de Guilherme Boulos, o candidato de esquerda mais bem posicionado na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Como isso foi possível?
Na noite de sexta, a campanha de Pablo Marçal divulgou um exame de sangue falso para acusar Boulos de uso de cocaína. “ESSE BANDIDO TEM QUE SER PRESO!“, dizia a nota de Malafaia. “Não é porque Boulos é nosso inimigo político que vamos aceitar uma farsa dessa.”
O atrito entre Malafaia e Marçal vem crescendo há alguns anos. A tensão nasce de uma disputa por público, que estaria migrando das igrejas para os cursos de prosperidade oferecidos pelo ex-coach. O conflito se agravou quando Marçal começou a atacar o candidato apoiado pelo ex-presidente na corrida pela Prefeitura de São Paulo.
Se Bolsonaro, o principal interessado, mantém uma postura defensiva em relação a Marçal, por que Malafaia insiste em confrontá-lo, mesmo sabendo que isso fortalece seu adversário?
Existem dois motivos: Malafaia está, neste momento, lutando por sua sobrevivência como figura pública e reage à estratégia de Marçal de disputar a preferência do eleitorado evangélico com o discurso dos costumes e da família.
A ascensão de Bolsonaro alçou Malafaia à posição de representante dos evangélicos no Brasil. “Ele foi ganhando mais visibilidade na mídia e fortalecendo seu capital político, ao mesmo tempo em que perdia espaço como líder religioso”, explica a antropóloga Christina Vital, da UFF. Sem o capital religioso e sem Bolsonaro, o que restará a Malafaia?
O pastor também entende o jogo simbólico de Marçal, que ataca a moralidade dos oponentes, associando Boulos ao uso de drogas e qualificando Ricardo Nunes como agressor de sua esposa e investigado pela polícia. Em contraste com Bolsonaro, Marçal se apresenta como alguém que se casou com sua primeira namorada, tem uma vida familiar exemplar. E repete que está na política para servir, não para enriquecer.
Líderes evangélicos, como os deputados Nikolas Ferreira e Marco Feliciano, já desafiam publicamente Malafaia, sugerindo que ele se encantou pelo poder e perdeu a bênção divina. Esses ataques ganham o apoio explícito de outros pastores.
Com Marçal fora da disputa por São Paulo, Malafaia ganha um respiro. Mas o influenciador não sai derrotado.
Marçal carrega consigo desta disputa a imagem de perseguido, valorizada por muitos evangélicos. Ele expôs Bolsonaro como parte do sistema ao compor com partidos do centrão, o que lhe garantiu apoio de expoentes da direita religiosa. Também ampliou sua capacidade de interlocução com a sociedade pelo país via redes sociais. E pode usar esses canais para promover o culto Primícias, que transmite pelo YouTube às segundas, e para espalhar novas células do seu Quartel General do Reino (QGR).
Ele ainda está no jogo.
spyer@uol.com.br
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