sexta-feira, outubro 11, 2024
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A loteria do dano moral do INSS

Cinco meses de espera para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) implantar um benefício e, pela matemática da Justiça, valeu a indenização por dano moral de R$ 10 mil. Uma vez dada a boa notícia, para aqueles que se animaram em buscar indenização equivalente, ao ser submetido por espera igual ou pior, é bom saber da volubilidade dos nossos juízes. Mesmo em situações idênticas de segurados que sofreram com o mau atendimento do serviço público federal, é uma loteria saber se algum juiz vai ter apetite em condenar o INSS por danos morais por suas falhas sistêmicas.

Paradoxalmente, embora a Justiça brasileira seja azucrinada por tantas demandas previdenciárias, muitas vezes por culpa do próprio instituto, ela nutre um sentimento invisível de comiseração em condenar a autarquia por danos morais. Lembra a Síndrome de Estocolmo. A justiça cumpre a contento seu papel de conceder ou revisar aposentadoria, manda pagar os atrasados com juros e correção monetária. Mas no quesito dano moral, a coisa muda de figura.

Salvo algumas exceções, é como se a demora e o mau atendimento do INSS tivessem sido normalizados no inconsciente dos juízes. Tornou-se lugar comum saber que o serviço previdenciário em linhas gerais é ruim mesmo, inclusive por razões historicamente conhecidas, a ponto de se ampliar a tolerância com tal realidade. Numa analogia às brincadeiras de criança, o INSS virou “café-com-leite”. Ele aufere um tratamento especial, mesmo a lei fixando prazos categóricos de até 60 dias para resposta do cidadão, pois se constata implicitamente que ele não reúne condições plenas de fazer o que deveria.

É verdade que por detrás desse raciocínio tem uma leva de juízes que encampam o pensamento fazendário. Portanto, sempre hesitante na hora de condenar a Fazenda Pública, ainda que por seus latentes erros. Mesmo sendo um tema controverso, é razoável a ideia de que a demora em conceder uma verba, de feição eminentemente alimentar, simboliza dano indenizável, pois gera endividamento, incerteza e angústia sobre o sustento da família.

Noutra vertente, há também o pensamento estratégico de juízes que, se punir com firmeza o INSS e popularizar o dano moral, o tiro pode sair pela culatra. Como o Instituto não vai se aprumar nem tão cedo, e tais atrasos continuarão, vem o receio de que condenações reiteradas pode retroalimentar mais judicialização e piorar o estoque de pendências processuais dos próprios juízes.

Por tais razões, o dano moral pelo atraso do INSS em conceder ou revisar a verba alimentar é um tema que sofre tanta resistência nos tribunais.

Em São Paulo, um homem provou que a demora gerou “constrangimentos e cobranças por atrasar o cumprimento de seus compromissos financeiros, tais como despesas de consumo e mensalidade escolar de seu filho”. A demora ensejou mandado de segurança e reclamação na ouvidoria.

No processo 5005068-66.2020.4.03.6128, a desembargadora Leila Paiva, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, considerou notório o sofrimento impingido “em razão do descaso” à sua condição de segurado do sistema previdenciário e “da desconsideração de seus direitos à concessão do benefício dentro do prazo previsto em lei, sem justificativa”. Infelizmente nem sempre é tão notório assim.


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