quarta-feira, outubro 9, 2024
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O voto útil favorece o processo democrático? NÃO

O voto útil, ou “tactical voting”, nada mais é do que um atalho político utilizado pelos eleitores como estratégia para derrotar um adversário indesejado. Ao operar nessa lógica, o eleitor transfere seu voto para um candidato que tenha chances reais de minar uma possível vitória do seu opositor. Na prática, tal estratégia pode retroalimentar reveses que comprometem uma democracia verdadeiramente representativa.

A “racionalidade limitada”, expressão cunhada pelo economista Herbert Simon (1950), explica por que os eleitores adotam esse comportamento quando precisam tomar alguma decisão —neste caso, escolher seus representantes. Diante de informações incompletas, o eleitor busca soluções satisfatórias, mas não necessariamente as melhores. Para o autor, os homens, em geral, são incapazes de tomar decisões ótimas; então, tentam minimizar os riscos que as incertezas e os problemas complexos podem lhes oferecer adotando comportamentos “situacionistas”, como o voto útil.

O eleitor é exposto cotidianamente a uma variedade de informações, parte delas coberta por camadas de complexidades e fragilidades. Elas podem ser complexas demais para o seu entendimento ou sem nenhuma consistência, a ponto de gerar ilações contenciosas. Nesse contexto, o voto útil surge como um instrumento que simplifica o caminho pelo qual o eleitorado acha que deve percorrer para obter resultados sem “perder tudo”. No entanto, um atalho como esse pode trazer prejuízos a longo prazo para a sociedade, sobretudo quando as decisões não levam em consideração princípios sobre os quais a democracia está ancorada.

Quando a escolha eleitoral é balizada pela ideia de que é melhor votar em um potencial vencedor para “não perder o voto”, ou quando é utilizada para tirar da jogada os desafiantes, uma pluralidade de opções que o pleito dispõe é automaticamente ignorada —sobretudo em sistemas como o nosso, que operam dentro da dinâmica multipartidária. Esse fato pode elevar o número de sub-representação e sanções aos partidos menores e favorecer incumbentes que desfrutam de privilégios orçamentários.

A funcionalidade do voto útil é atestada a depender do que cada eleitor considera importante ideologicamente, podendo ser uma “estratégia” para maximizar tanto os interesses da esquerda quanto da direita. Em sistemas eleitorais de maioria simples “first past the post”, como do Reino Unido, um candidato pode vencer as eleições sem que tenha obtido a maioria dos votos totais. Isso tem feito com que o voto tático tenha ganhado cada vez mais força entre os eleitores britânicos que desejam impactar no resultado das eleições e afastar os conservadores do poder.

Não obstante, autores consagrados na ciência política, a exemplo de Robert Dahl (1997), consideram a competição política e a inclusão fatores que, sem os quais, a eleição tenderia a se transformar em um fim em si mesma, com o voto útil funcionando apenas como um mero catalisador de oportunidades.

Além de acentuar a polarização e a intolerância em relação à oposição, essa manobra resulta em uma competição desequilibrada que compromete a ideia de uma democracia plural e verdadeiramente representativa.

Dessa maneira, afirmar que o voto útil subverte o processo democrático pode ser um exagero, mas sustentar que ele favorece a democracia é, de fato, ilusório.

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