quinta-feira, outubro 10, 2024
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Precisamos urgentemente de um curso de 'escutatória'

Fui convidada para participar do programa Sem Censura, na TV Brasil, no dia 1º de outubro, Dia Internacional da Pessoa Idosa. Contei para a minha melhor amiga, Thais, de 99 anos, que adorei o convite, mas que, como era o dia de enviar o relatório da minha pesquisa de pós-doutorado sobre “Envelhecimento, Autonomia e Felicidade”, seria impossível aceitar.

“Mirian, você tem que ir ao programa. Ainda mais no Dia do Idoso.”

“Mas Thais, estou no meio de um turbilhão, tenho que terminar meu relatório.”

“Eu quero muito te assistir. E é muito importante que as pessoas escutem o que você fala sobre os mais velhos. Ajuda muita gente.”

Como posso dizer não para a minha melhor amiga?

Conheci Thais em um curso que ministrei na Casa do Saber, em 2013, sobre “A bela velhice”. Ela anotava tudo no seu caderninho e, no fim do curso, me agradeceu por ter aprendido “a arte de dizer não”.

Ela tem 9 filhos, 18 netos e 13 bisnetos. Apesar dos inúmeros compromissos familiares, nossas conversas diárias são sagradas. Além de me contar sobre o curso de italiano que faz pelo celular e de me sugerir livros e filmes, Thais sempre me passa um pensamento que está anotado no seu caderninho. O de Caio Fernando Abreu se tornou meu mantra: “Um amigo me chamou para cuidar da dor dele. Guardei a minha no bolso, e fui…”.

Segui o conselho da Thais, guardei o meu relatório na bolsa e fui participar do Sem Censura. Fiquei com lágrimas nos olhos ao escutar as histórias do maestro Isaac Karabtchevsky e testemunhar que ele, aos 89 anos, continua em plena atividade, empolgadíssimo com seu trabalho na Orquestra Sinfônica de Heliópolis, que considera “a cereja do bolo” de uma vida de sucesso no Brasil e no mundo.

Imaginem a minha emoção quando o maestro disse que estava “embevecido” com tudo o que falei sobre a minha amizade com homens e mulheres de mais de 90 anos, que me apelidaram de “escutadora de velhinhos”.

Contei que Rubem Alves me ensinou “a arte de escutar bonito”:

“O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: ‘Se eu fosse você…’. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não escuta que ele termina”.

Meu cronista favorito me ensinou que, em vez de curso de oratória, precisamos fazer curso de “escutatória”.

“Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção. Todos reunidos alegremente no restaurante: pai, mãe, filhos, falatório alegre. Na cabeceira, a avó, com sua cabeça branca. Silenciosa. Como se não existisse. Não é por não ter o que dizer que não falava. Não falava por não ter quem quisesse ouvir. O silêncio dos velhos. No tempo de Freud, as pessoas procuravam os terapeutas para se curar da dor das repressões sexuais. Aprendi que hoje as pessoas procuram os terapeutas por causa da dor de não haver quem as escute. Não pedem para ser curadas de alguma doença. Pedem para ser escutadas. Querem a cura para a dor da solidão.”

Depois de duas horas de Sem Censura, tive certeza de que, graças ao conselho da minha amiga mais querida, o dia 1º de outubro de 2024 vai ficar para sempre gravado na minha memória.


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