domingo, outubro 13, 2024
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Sabatina de Galípolo ajuda a despolitizar juros

Se um estrangeiro desavisado assistisse no Senado à sabatina de Gabriel Galípolo, indicado ao comando do Banco Central, não imaginaria que o país abriga uma polarização feroz entre petistas e bolsonaristas, nem que o presidente da República tenha movido até outro dia uma cruzada política contra o BC e sua taxa de juros.

Galípolo, escolha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mostrou-se alinhado ao atual titular do posto, Roberto Campos Neto, escolha de Jair Bolsonaro (PL) e alvo de múltiplos ataques de Lula. Senadores de situação e oposição na Comissão de Assuntos Econômicos apresentaram questões com serenidade e foco em aspectos técnicos da gestão monetária.

Aprovado por unanimidade no colegiado e por 66 a 5 no plenário do Senado, o sabatinado, que já é membro da diretoria do BC, chegou a fazer troça da ideia de que promoveria alguma ruptura na instituição. “Sinto que eu gerei uma grande frustração na expectativa que existia de que, ao entrar no BC, fosse começar um grande reality show, com grandes disputas e brigas ali dentro.”

Ora, se tal expectativa chegou a existir foi devido à ofensiva pública de Lula e seu partido contra Campos Neto e a autonomia do BC —e porque, em maio, os quatro diretores indicados pela administração petista se opuseram à decisão de reduzir o ritmo de corte da taxa Selic.

De lá para cá, no entanto, todas as deliberações do Comitê de Política Monetária foram unânimes, e o próprio Lula não fez um escarcéu quando os juros voltaram a subir para conter a inflação.

Importa menos se as convicções de fato mudaram. Mais relevante é a demonstração de sensatez diante da realidade.

A estabilidade da moeda se consolidou como valor inegociável na sociedade brasileira, e a autonomia formal do BC, outrora um tabu político, mostra-se um meio eficaz de manter preços sob controle a custos menores.

Apresentadas com argumentos e projeções transparentes, as medidas de política monetária são percebidas como bem fundamentadas e capazes de orientar expectativas de consumidores, investidores e empresários. Reverter tal avanço institucional teria impacto desastroso —sobretudo porque a política fiscal não goza da mesma credibilidade.

Obviamente, a definição dos juros não é ciência exata, e divergências quanto a critérios e estratégias são naturais e mesmo bem-vindas. É crucial, no entanto, que ela se dê com sólido conhecimento técnico e livre de ingerência política imediatista.

Os Poderes eleitos, como apontou Galípolo, não estão alijados desse processo. A eles cabe a definição das metas a serem seguidas e a indicação e o escrutínio dos responsáveis por cumpri-las.

A autonomia não é panaceia, e sua solidez ainda está por ser testada neste e nos próximos governos. Seu sucesso dependerá do amadurecimento do debate nacional em torno de princípios e objetivos da política econômica.

editoriais@grupofolha.com.br

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